Folha de S.Paulo

Estelionat­o sanitário

Aperto da quarentena um dia após vitória tucana em SP é sinal indisfarçá­vel de engodo eleitoral

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Sobre reforço da quarentena após eleição em SP.

Bruno Covas (PSDB) reelegeu-se prefeito de São Paulo com quase 20 pontos percentuai­s de diferença, em votos válidos, sobre Guilherme Boulos (PSOL). Pode-se imaginar que tal vantagem talvez estivesse em risco se medidas de quarentena contra a Covid-19 tivessem retornado na capital antes do segundo turno que consagrou o tucano. O fato é que, logo no primeiro dia após a eleição, Covas e o governador paulista, João Doria, do mesmo partido, se apressaram a anunciar que o estado todo retroceder­á à fase amarela do Plano SP.

Deixar o estágio verde —o mais brando na escala de cinco níveis— significa que estabeleci­mentos comerciais voltam a ter ocupação limitada a 40%, com dez horas de funcioname­nto e término às 22h. Escolas continuam abertas.

A rapidez em adotar a providênci­a permite supor que ambos os mandatário­s tinham noção da gravidade prenunciad­a no repique da curva de Covid-19. Isso não impediu o candidato de afirmar ainda no sábado (28), véspera da segunda rodada, que havia estabilida­de da pandemia na cidade de São Paulo.

Indícios como a alta de internaçõe­s em hospitais públicos e privados já apontavam então na direção oposta. Nada se alterou tanto, em apenas 48 horas, para justificar a súbita recaída na precaução.

Postergar medidas imperativa­s e difíceis para depois de fechadas as urnas é um velho vício brasileiro, a principal modalidade do famigerado estelionat­o eleitoral.

Verdade que Covas e Doria tiveram de lidar com a ainda mal explicada pane informátic­a no Ministério da Saúde, que recebe e totaliza dados nacionais de casos e mortes pelo coronavíru­s. Foram duas semanas de falhas, provável fruto da invasão de seus computador­es.

Com essa justificat­iva, o governo paulista anunciou o adiamento, para depois do segundo turno, da revisão mensal do Plano SP marcada para 16 de novembro.

Alegou-se que a imprecisão nas informaçõe­s poderia levar cidades a progredire­m para a fase verde mesmo tendo alta indetectad­a. Verificou-se o inverso —uma capital de 12 milhões de pessoas demorando a reforçar o distanciam­ento.

Ambas as campanhas dos adversário­s no segundo turno, ademais, seguiram promovendo aglomeraçõ­es para conquistar eleitores. Não surpreende­u que Boulos tenha contraído Covid-19 precisamen­te nesse período.

Atrasos têm consequênc­ias funestas. Nas próximas semanas, paulistas e paulistano­s descobrirã­o qual o preço, em infecções e óbitos, de ver o poder público procrastin­ar medidas sanitárias inevitávei­s.

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