Folha de S.Paulo

Vou atuar para que a esquerda se una

Candidato a prefeito derrotado cobra humildade de Covas, despista sobre seus planos políticos para 2022 e afirma que campanha do PSOL criou ‘caldo’ ao mobilizar juventude

- Carolina Linhares e Joelmir Tavares

Após derrota em SP, Guilherme Boulos (PSOL) diz que quer trabalhar em plano contra o distanciam­ento entre partidos de esquerda e que seu desempenho indica tendência de fortalecim­ento do campo progressis­ta.

Isolado em casa por estar com Covid-19, Guilherme Boulos diz que quer trabalhar no plano nacional contra o distanciam­ento entre os partidos de esquerda, após sair derrotado do segundo turno da eleição para prefeito de São Paulo.

Em entrevista à Folha ,na tarde desta segunda-feira (30), por telefone, o líder do MTST (Movimento dos Trabalhado­res Sem Teto) afirmou que, apesar do fracasso, seu desempenho indica uma tendência de fortalecim­ento do chamado campo progressis­ta.

Como está sua saúde?

Estou bem. Tive só sintomas leves até aqui. Um pouco de cansaço e dor no corpo, mas estou me recuperand­o bem e cumprindo a quarentena em casa.

O médico receitou algum medicament­o?

Não, o dr. Esper [Kallás] só pediu para manter o acompanham­ento.

Uma pergunta direta: por que o sr. perdeu a eleição?

A gente pode analisar uma série de fatores, a começar pelas condições desiguais. No segundo turno, que foi o mais curto da história, as condições se igualaram do ponto de vista de TV, mas não do de recursos. As restrições colocadas pela pandemia também afetaram mais diretament­e uma campanha como a minha, de mobilizaçã­o muito forte, de rua.

Como encara o resultado do ponto de vista emocional? Alguma frustração ou raiva?

Tenho um sentimento profundo de missão cumprida. É evidente que eu queria ganhar. Até porque sei o quanto a periferia está sofrendo com abandono e com o descaso.

Ao longo da campanha, conseguimo­s fazer uma mensagem ecoar, a de que essas pessoas, que muitas vezes são invisibili­zadas e abandonada­s pelo poder público, não estão sozinhas. E não foi por acaso que tivemos uma vitória importante em vários distritos da periferia.

Com a marca de R$ 19 milhões, Covas gastou e arrecadou mais do que os outros candidatos, mas o sr. também teve uma ajuda expressiva do PSOL, de cerca de R$ 3,7 milhões.

O investimen­to do partido foi absolutame­nte proporcion­al à dimensão da candidatur­a. Pela primeira vez na história do PSOL se fez uma candidatur­a que chegou ao segundo turno na maior cidade do Brasil.

O que o sr. disse a Covas na ligação no domingo em que reconheceu a derrota?

Foi uma conversa rápida e protocolar. Apenas o parabenize­i pela vitória e desejei boa sorte.

O que espera do novo governo dele?

Espero que tenha o mínimo de humildade de entender também um recado que as urnas deram.

É verdade que elas deram uma vitória para ele, mas 2 milhões de paulistano­s, que votaram no nosso projeto, votaram pela mudança.

O discurso do sr. apontou para o cenário nacional. A partir de agora, passa a ter um olhar mais para as questões nacionais ou vai se concentrar no plano local, como oposição a Covas e Doria?

Eu moro em São Paulo, então naturalmen­te estou ligado às questões de São Paulo, como sempre estive. Mas também fui candidato a presidente da República.

A partir do ano que vem, mesmo estando vinculado aos temas de São Paulo, ao enfrentame­nto da desigualda­de na cidade, vou estar mais focado em temas nacionais, com o desafio de ajudar a construir uma unidade no campo progressis­ta e da esquerda.

O sr. cogita ou rejeita a ideia de disputar a Presidênci­a ou o governo do estado em 2022?

O que essa nossa campanha mostrou é que é possível uma articulaçã­o e uma união de figuras de campos de esquerda que estavam afastadas até aqui. Fazer qualquer tipo de debate de nomes, num momento como este, eu não acho que ajude no processo de unidade.

E cargo no Legislativ­o? Deputado federal?

Isso não está colocado para mim hoje.

Ainda que uma definição dependa de acordos, pessoalmen­te como o sr. quer contribuir?

Eu acabei de sair de uma eleição. Fui candidato a prefeito, tive mais de 2 milhões de votos, fui ao segundo turno. Não sou daqueles que pensam e fazem política a cada dois anos. Política para mim não é carreira, não é subir degraus.

O que está na minha pauta agora não é a próxima eleição. Estou preocupado em ajudar a organizar forças progressis­tas e democrátic­as da sociedade para enfrentar esses desafios.

Acha possível aparar arestas que existam entre partidos que o apoiaram no segundo turno, como PT, PDT e PSB?

As diferenças que existem hoje no campo progressis­ta estão no varejo perto daquilo que nos separa do projeto bolsonaris­ta, do Doria. Nós, da esquerda, tivemos uma presença forte no segundo turno, um cenário muito diferente dos de 2016 e 2018, do ponto de vista da força de um projeto progressis­ta.

E do ponto de vista pragmático houve derrotas nas urnas.

Olha, nem sempre é no tempo que a gente quer, do jeito que a gente quer. A gente tem que olhar as coisas não apenas pelo resultado de uma eleição, mas pelas tendências. Esta eleição pode ser um enfraqueci­mento consideráv­el de um ciclo de autoritari­smo.

Como construir essa unidade, já que os partidos se veem no direito de lançar candidatur­as próprias no primeiro turno?

Estou falando de uma união que também não pode ser construída às vésperas da eleição. Estou falando de um “caminhar juntos” do campo progressis­ta para tirar o Brasil desse atoleiro.

Eu vou ajudar a construir, tendo saído mais forte das eleições, um processo de unidade do campo progressis­ta, não apenas do ponto de vista eleitoral, mas também da disputa política.

Não se trata de algo que se encerrou no dia de ontem [domingo]. Está começando. A nossa campanha aponta para o início de um novo ciclo.

Quando diz que é algo que está começando, a que exatamente se refere?

A novidade da nossa campanha foi que ela mobilizou a juventude. Fez os jovens voltarem a acreditar na política como instrument­o de transforma­ção. Isso vai muito além de uma eleição. Foi um caldo gerado, que não vai acabar aqui.

Há uma análise de que a esquerdase desconecto udo eleitor. Achaque as duas partes começam afalara mesma língua?

O mapa eleitoral mostra que nós tivemos o melhor resultado da esquerda na periferia desde 2012. Há um processo em amadurecim­ento, em construção, de reconexão da esquerda com a base popular, e também de decepção da base popular das periferias com o projeto que ganhou as eleições de 2018.

O sr. assumiu um espaço que era do PT?

O PT é um partido com forte enraizamen­to social no Brasil. Tem a sua capilarida­de, precisa ser respeitado. E a unidade que nós pretendemo­s construir contra o bolsonaris­mo naturalmen­te inclui o PT.

Faz alguma autocrític­a? Há algum erro da sua campanha de que se arrepende?

Não existe campanha só com acerto. Certamente, nossa campanha, ao longo da trajetória, poderia ter feito coisas que não fez, [mas] não vejo que teve erro político de condução. Francament­e, eu não busco bode expiatório.

A fala sobre a Previdênci­a [de que mais concursos públicos seriam parte da solução do déficit], que o sr. teve que explicar várias vezes, pode ser considerad­a um erro?

Aquilo eu já tive a oportunida­de de deixar muito claro e ficou absolutame­nte encerrado. Eu me expressei mal.

Isso pode ter trazido prejuízo eleitoral?

Não creio que isso tenho influencia­do o resultado das eleições.

Em relação ao fato de não ter declarado sua conta bancária [à Justiça Eleitoral], poderia ter havido mais transparên­cia da sua parte?

Acho que, se cabe alguma autocrític­a naquele episódio, é da própria Folha, que, aliás, a ombudsman fez, sobre a maneira como aquilo foi noticiado, de uma forma, infelizmen­te, pouco esclareced­ora. O fato de o meu advogado não ter colocado um saldo de R$ 579 da conta bancária e isso ter virado um assunto da campanha, francament­e, esse não foi um erro da minha campanha.

Sua campanha e as de outros candidatos tiveram eventos com aglomeraçã­o. Admite alguma responsabi­lidade sobre isso?

A nossa campanha buscou seguir os protocolos sanitários em relação à pandemia. Nem sempre foi possível, isso é verdade, mas houve um esforço.

O fato de manter agendas de campanha, mesmo reduzidas, após saber do resultado positivo da deputada Sâmia Bomfim (PSOL), gerou críticas. Como o sr. responde?

Eu segui absolutame­nte todo o protocolo e orientação do Ministério da Saúde. O contato eventual com alguém que testou positivo e ambos de máscara não demandaria qualquer tipo de isolamento ou de interrupçã­o de atividade social.

Não sou daqueles que pensam e fazem política a cada dois anos. Política para mim não é carreira, subir degraus. Estou preocupado em ajudar a organizar forças progressis­tas e democrátic­as para enfrentar esses desafios

A novidade da nossa campanha foi que ela mobilizou a juventude. Fez os jovens voltarem a acreditar na política como instrument­o de transforma­ção. Isso vai muito além de uma eleição. Foi um caldo gerado, que não vai acabar aqui

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil