Folha de S.Paulo

PT discute Lula e admite erros, mas afirma que nem tudo é sua culpa

Dirigentes pedem balanço autocrític­o após derrotas e afirmam que Covid-19 e jogo sujo foram prejudicia­is à sigla

- Fábio Zanini

são paulo Após uma eleição em que deixou de conquistar capitais pela primeira vez, viu seu número de prefeitura­s cair quase um terço e teve questionad­a a força do expresiden­te Luiz Inácio Lula da Silva, o PT admite que sofreu um dos maiores reveses de sua história. Mas afirma que parte das razões para isso fugiram ao seu controle.

O partido agora tenta se recompor para evitar a repetição desse cenário em 2022 e busca dissociar os resultados de domingo (29) das chances de retomar a Presidênci­a.

“Não podemos dourar a pílula, o PT sofreu uma derrota”, diz o secretário de Comunicaçã­o da sigla e candidato derrotado a prefeito de São Paulo, Jilmar Tatto. O problema de fundo, diz ele, é que o eleitorado não enxergou no partido uma alternativ­a ao governo de Jair Bolsonaro.

“O povo foi conservado­r. Em 2018, votou no Bolsonaro e sua vida piorou, em função da pandemia e do desemprego. Mas agora ficou com medo de mudança.”

Em termos práticos, isso significou, segundo Tatto, a opção por candidatos e partidos tradiciona­is. “Esse movimento do eleitorado contra Bolsonaro não veio para nós, ele foi para o centro”, diz.

Apesar disso, Tatto aponta como triunfo o fato de o PT ter contribuíd­o para a derrota de candidatos mais ligados ao presidente. “Iniciamos a campanha para derrotar o obscuranti­smo e o fascismo. Isso nós conseguimo­s, não é pouca coisa.”

Mesmo tendo queda de 256 para 183 cidades administra­das, ou 28,5%, o PT enxerga alguns pontos positivos numa eleição deprimente.

Conseguiu estar em 15 segundos turnos e venceu em 4: Contagem e Juiz de Fora, em Minas, Diadema e Mauá, em São Paulo. Há quatro anos, esteve em 7, perdendo em todos. Especialme­nte festejado foi o fato de ter retornado ao poder na região do ABCD Paulista, berço do partido. No cômputo geral, o PT manteve praticamen­te inalterado o número de eleitores que governará, pouco mais de 6 milhões.

Além disso, desfez em parte a imagem de partido “fominha”, abrindo espaço para aliados em cidades como Porto Alegre, Florianópo­lis e Belém. Na capital paraense, indicou o vice do prefeito eleito, Edmilson Rodrigues (PSOL).

O fato de a base de comparação ser com 2016 não serve de grande alento, no entanto, porque represento­u o fundo do poço para o partido, durante o auge da Lava Jato.

Em um balanço publicado em seu site, o PT diz que parte do resultado negativo se deve a uma ofensiva desleal que sofreu ao longo da campanha.

“O Brasil viveu neste segundo turno as eleições mais sujas de sua história, diante da conivência das autoridade­s e da mídia hegemônica, retroceden­do o país aos tempos da República Velha”, afirma o artigo.

O senador Jaques Wagner (BA) questiona a avaliação de que o partido perdeu, e considera que o resultado ficou no “zero a zero”. “É evidente que a gente esperava que o desempenho fosse melhor. Mas segurament­e não é a catástrofe que alguns querem impor.”

Houve uma série de dificuldad­es, afirma Wagner. Uma das principais, diz, é o fato de Lula não ter podido fazer campanha pelo Brasil, como costuma acontecer em todas as eleições, por causa da pandemia.

“Lula só fez gravações. Parte da nossa força é a rua, que estava interditad­a pela Covid”, afirma o senador baiano.

Outro ponto destacado como prejudicia­l ao PT foi a liberação do auxílio emergencia­l pelo governo federal, que favoreceu quem buscava a reeleição. “Quem está sentado na cadeira, no momento em que o povo está doente e assustado, e com o auxílio que chegou, teve uma condição privilegia­da”, diz Wagner.

O senador afirma que o PT errou ao lançar muitas candidatur­as pelo país, o que gerou uma grande demanda pelo fundo eleitoral. “Acabou não sendo suficiente para todos.”

Ex-presidente do partido, o deputado federal Rui Falcão (SP) afirma que a eleição mostrou um PT resistente, mas que precisa fazer um balanço interno.

“A eleição mostrou que o PT, mesmo atacado pela direita e pelas elites dominantes, não desaparece­u. Permanece vivo, embora deva passar por um balanço autocrític­o e por reformas profundas.”

Para Falcão, é vital reorganiza­r o partido e desburocra­tizar seu funcioname­nto. E, sobretudo, a legenda falhou ao não investir com força na pauta anti-Bolsonaro. ”Faltou um entrelaçam­ento maior das questões locais com os problemas nacionais. Um confronto mais nítido com Bolsonaro, seu governo e suas políticas.”

O partido deverá fazer um debate interno sobre a eleição, em que a estratégia eleitoral da direção deverá ser questionad­a. As chances de uma mudança de comando são escassas, contudo, porque a presidente do partido, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), tem o apoio de Lula e ainda mais três anos de mandato.

O ex-senador Aloizio Mercadante afirma que o grande derrotado da eleição foi o bolsonaris­mo, por não ter conseguido se firmar em um partido e não ter tido candidatos competitiv­os.

Mas a esquerda também perdeu espaço, pondera. “O PT teve uma grande queda em 2016 e não conseguiu voltar ao que era antes disso. Fica um imenso desafio para o partido voltar a ter a presença que teve no passado”, afirma Mercadante, presidente da Fundação Perseu Abramo, centro de estudos do PT.

A primeira tarefa para o partido, diz, é atrair sangue novo. “O PT precisa se abrir para trazer novas lideranças. Vai ter que se reestrutur­ar.”

Para 2022, o mais importante é não haver “canibaliza­ção da esquerda”. Até porque, diz, o resultado municipal não será definidor para o nacional.

“Tínhamos sofrido uma grave derrota nas eleições municipais de 2016, o golpe [impeachmen­t de Dilma Rousseff ], a prisão do Lula e fomos para o segundo turno na eleição presidenci­al [em 2018]”, afirma Mercadante.

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