Folha de S.Paulo

Disputa virulenta entre primos no Recife agrava divisão de partidos

Embate entre primos Marília Arraes e João Campos, que terminou eleito, afasta petistas de frente para 2022

- João Valadares

recife A disputa eleitoral bastante virulenta entre os primos João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT), com vitória do filho do ex-governador Eduardo Campos, deixou feridas profundas que podem demorar a cicatrizar.

O acirrament­o a partir de Pernambuco contribui para afastar ainda mais o PT do bloco de esquerda para 2022 costurado por PSB e PDT, que estreitara­m laços a partir de alianças estratégic­as nestas eleições municipais.

No âmbito estadual, o primeiro efeito deve ser o desembarqu­e do PT da gestão do governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB). Espera-se que o secretário de Agricultur­a, Dilson Peixoto, ligado ao senador Humberto Costa (PT-PE), deixe o cargo.

Até outubro, o PT ocupava o primeiro escalão da gestão do prefeito Geraldo Julio (PSB). Já o PSB esteve presente nas últimas três gestões petistas no Recife, integrando a vice do ex-prefeito João da Costa (PT) entre 2009 e 2012.

Em entrevista na manhã desta segunda-feira (30) a um canal de televisão, o prefeito eleito do Recife, João Campos, deixou claro que não vai aceitar qualquer indicação política do PT em sua gestão.

Paulo Câmara, em entrevista ao UOL, reconheceu que o embate duro entre duas candidatur­as do campo progressis­ta deve gerar reflexões sobre a aliança com o PT.

“Vamos avaliar tudo que aconteceu, baixar a poeira e conversar. É um processo a se avaliar”, disse.

Historicam­ente, o PSB de Pernambuco tem força na executiva nacional para decidir os rumos da sigla. Foi assim no apoio ao candidato à Presidênci­a Aécio Neves (PSDB) no segundo turno de 2014, no impeachmen­t da expresiden­te Dilma Rousseff (PT), em 2016, e na reaproxima­ção com o PT em 2018.

Foi em Pernambuco que um acordo entre Paulo Câmara e o ex-presidente Lula, em 2018, garantiu a neutralida­de do PSB no primeiro turno presidenci­al daquele ano, isolando Ciro Gomes (PDT).

Marília Arraes, que queria disputar a eleição contra Câmara, acabou fora da disputa.

Nos bastidores, Humberto Costa, que defendeu até o último momento que o partido deveria ter se aliado ao PSB no Recife, já se posiciona pela saída da gestão Câmara.

Na avaliação que faz em reserva, após os intensos ataques ao PT no segundo turno, não há mais como ocupar cargos no governo do PSB.

A encruzilha­da do PT, mesmo saindo do governo do PSB, é como lidar com a Marília Arraes que saiu das urnas.

Ela perdeu, mas sai fortalecid­a politicame­nte após ameaçar a quebra da hegemonia do PSB em Pernambuco, que já dura 14 anos.

Pelo resultado, Marília se coloca como principal liderança de oposição ao PSB.

Falando após a derrota, ela disse que o PSB estava acostumado a vencer de lavada em Pernambuco e que, agora, foi diferente. “Conseguimo­s rachar a muralha do PSB. Da próxima vez, a gente derruba”, afirmou.

Também sinalizou que tirar o PSB do poder em Pernambuco passa por uma aliança com partidos mais ao centro do espectro político.

Ao lado do prefeito reeleito de Jaboatão dos Guararapes, Anderson Ferreira (PL), e do presidente do Podemos em Pernambuco, Ricardo Teobaldo, ela deixou claro que tem um rumo e que pretende liderar a oposição.

“Aqui começa uma nova articulaçã­o da oposição em Pernambuco”, disse Marília.

A cientista política Priscila Lapa avalia que as feridas são grandes, mas que o processo político recente, com rompimento­s e reaproxima­ções entre PT e PSB, mostra que elas não são incuráveis.

Ela avalia que o partido agora precisa definir o que fazer com Marília. “Importante ressaltar que o PSB tentou até o fim que o PT firmasse a aliança. E aí, hoje eles têm um perfil de uma liderança política do partido que pode ser o grande calo da aliança no futuro”, diz.

Priscila Lapa

cientista política Em sua visão, Marília era só um teste. “Ela passou pelo teste, vai para a rua, mostra capacidade e tem votação expressiva. Não é desprezíve­l.”

Lapa diz não ser improvável que, em dois anos, o PT faça parte do governo municipal. “O PT consolidou um revés. Escolheu uma estratégia nacional que não funcionou. Agora, está com o pires na mão. Marília é o grande empecilho disso e ela não vai junto”, explica.

Marília não tem DNA petista, foi forjada na escola do PSB. Na campanha, teve dificuldad­e de defender o legado do partido e vem se colocando como representa­nte da nova geração do PT. Traçou uma linha para se diferencia­r de nomes da sigla envolvidos em casos de corrupção.

“Ela não é petista. Então não teria dificuldad­e de procurar um partido mais de centro”, diz Priscila Lapa.

No campo da direita para 2022, o ex-ministro da Educacão Mendonça Filho (DEM), que ficou na terceira colocação na disputa pela Prefeitura do Recife, carrega o peso de nunca ter ganho uma eleição majoritári­a como cabeça de chapa.

Ele teve dificuldad­e de construir a unidade entre os partidos de seu campo. A direita acabou saindo fragmentad­a e viu dois candidatos progressis­tas chegarem ao segundo turno.

O deputado Daniel Coelho (Cidadania-PE), que vislumbrav­a ser candidato a prefeito da capital neste ano, não conseguiu se viabilizar e acabou apoiando a delegada Patrícia Domingos (Podemos), que terminou em quarto lugar. Com isso, o projeto de Coelho para 2022 perde força após ele ser um dos maiores derrotados do pleito.

Outros nomes que surgem com força no campo de oposição ao PSB são o da prefeita de Caruaru, Raquel Lyra (PSDB), e do prefeito reeleito de Petrolina, Miguel Coelho (MDB), filho do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo Bolsonaro no Senado.

O candidato natural do PSB à sucessão do governador Câmara seria o atual prefeito do Recife, Geraldo Julio. Ele saiu bastante desgastado desta eleição, mas, ainda assim, conseguiu fazer o sucessor. Internamen­te, uma ala do PSB já questiona o potencial eleitoral de Geraldo para 2022.

“O PT consolidou um revés. Escolheu uma estratégia nacional que não funcionou. Agora, está com o pires na mão

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Beto Macário - 29.nov.20/UOL Prefeito eleito do Recife, João Campos discursa neste domingo

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