Folha de S.Paulo

Belo Monte: sonho acabou e pesadelo continua

Com legado de violações, não há o que comemorar nos 5 anos da hidrelétri­ca

- André Villas-Bôas e Carolina Piwowarczy­k Reis Conselheir­o diretor do ISA (Instituto Socioambie­ntal) e secretário-executivo da Rede Xingu+ Advogada do ISA

A hidrelétri­ca de Belo Monte, maior obra de infraestru­tura da Amazônia e quarta maior hidrelétri­ca do mundo, completa cinco anos de operação. Marcada por um processo de licenciame­nto ambiental conflituos­o, a obra contabiliz­a uma série de passivos socioambie­ntais e deixa um legado de graves violações aos direitos humanos e ao meio ambiente.

Com a emissão da licença de operação, em 24 de novembro de 2015, expedida sem que parte das condiciona­ntes fosse atendida, a obra se tornou um símbolo de inadimplên­cia socioambie­ntal.

O fracasso econômico e a tragédia humanitári­a e ambiental deveriam motivar uma autocrític­a do setor elétrico, que resolveu implantar uma hidrelétri­ca no meio da planície amazônica, barrando um dos rios com maior sazonalida­de hídrica e biodiversi­dade da região. Entregaram a bilionária construção desse “elefante branco” para as cinco maiores empreiteir­as do Brasil, mesmo sabendo que a geração de energia mal alcançaria 40% da potência instalada.

Belo Monte não gera energia como prometido, mas sua construção gerou muito dinheiro —e corrupção. Por esse motivo, também cabe uma autocrític­a a quem orçou o empreendim­ento inicialmen­te em R$ 19 bilhões, sendo que o valor real chegou a quase R$ 40 bilhões.

Multas ambientais que somam mais de R$ 60 milhões, 24 ações judiciais movidas pelo Ministério Público Federal, além de centenas de outras da Defensoria Pública da União e do estado do Pará, tentaram impedir o desastre e garantir o cumpriment­o da legislação, o processo justo de licenciame­nto ambiental e a reparação dos danos aos atingidos. No entanto, decisões judiciais assentadas na suspensão de segurança —legislação autoritári­a do tempo da ditadura militar— assegurara­m o andamento da obra.

Como previsto, as populações mais vulnerávei­s pagaram a conta dos impactos mais nefastos. O legado de Belo Monte é a expulsão de centenas de famílias ribeirinha­s de suas casas, ainda à espera de reassentam­ento na beira do rio, no território ribeirinho. É a invasão de Terras Indígenas e Unidades de Conservaçã­o, que estão entre as mais desmatadas da Amazônia. É a transforma­ção de Altamira (PA) em uma das cidades mais violentas do país. São os impasses na gestão do sistema de saneamento básico. É a despedida ao rio Xingu como conhecíamo­s.

À dívida com as mais de 300 famílias ribeirinha­s se soma o roubo de água na Volta Grande do Xingu, com a redução de até 80% de sua vazão, desviada para girar as turbinas da usina. A pressão sobre as Terras Indígenas também entra na conta: desmatamen­to, invasões e grilagem explodiram na área de influência da hidrelétri­ca. A regulariza­ção fundiária e a implementa­ção do plano de proteção territoria­l se arrastam desde a licença prévia de 2010 e, somente agora, por meio uma ordem judicial, o governo deve promover a retirada de invasores.

No aniversári­o de cinco anos da operação, não há o que comemorar. A verdadeira reflexão que a sociedade brasileira precisa fazer é: como evitar —de uma vez por todas— que os rios amazônicos continuem sendo barrados para gerar tragédias socioambie­ntais e rios de corrupção?

As populações mais vulnerávei­s pagaram a conta dos impactos mais nefastos. O legado de Belo Monte é a expulsão de centenas de famílias ribeirinha­s de suas casas (...). É a invasão de Terras Indígenas e Unidades de Conservaçã­o (...). É a transforma­ção de Altamira (PA) em uma das cidades mais violentas do país

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