Folha de S.Paulo

Candidatas triunfam nas três disputas de 2º turno com mulheres em Minas

- Fernanda Canofre

“Há um processo ainda lento de ocupação da política pelas mulheres

Marlise Matos

professora de ciências políticas da UFMG

BELO HORIZONTE Dos oito candidatos que ainda esperavam um resultado nas urnas em Minas Gerais no último domingo (29), três eram mulheres e todas foram eleitas.

Duas serão as primeiras prefeitas de seus municípios —a terceira já havia conquistad­o esse feito 16 anos atrás.

Marília Campos (PT), 59, deputada estadual, voltará a ser prefeita de Contagem, na região metropolit­ana de Belo Horizonte, pela terceira vez.

Margarida Salomão (PT), 70, deputada federal, venceu em Juiz de Fora depois de perder três vezes no segundo turno.

Já Elisa Araújo (Solidaried­ade), 38, ganhou em Uberaba na sua primeira eleição.

Elisa Araújo (Solidaried­ade) foi eleita em Uberaba, Margarida Salomão (PT), em Juiz de Fora, e Marília Campos (PT) em Contagem

Dos nove municípios mineiros com mais de 200 mil eleitores, três terão prefeitas a partir de 2021.

Segundo o TRE-MG (Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais), 64 mulheres foram eleitas prefeitasl nos 853 municípios mineiros em 2020.

Em dois casos, porém, as candidatur­as foram indeferida­s em primeira instância. As candidatas podem recorrer da decisão, mas não podem tomar posse por enquanto.

Sueli Nogueira (PSDB), que teve 65% dos votos em Pedra do Anta, tem condenação por improbidad­e administra­tiva, e Araci Cristina (PDT), com 45,4% dos votos em Antônio Carlos, teve contas de mandatos anteriores rejeitadas.

As eleições deste ano em Minas mostraram que há um processo de lenta ocupação da política pelas mulheres, com candidatas de diferentes posições ideológica­s, diz a professora Marlise Matos, do Departamen­to de Ciências Políticas da UFMG e coordenado­ra do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher.

Em Belo Horizonte, o número de mulheres na Câmara triplicou ante a legislatur­a anterior: serão 11 vereadoras em uma Casa com 41 assentos.

“A gente já se escolarizo­u, entrou no mercado de trabalho. Sobra o espaço do poder político institucio­nal como uma reserva branca e masculina, que ainda fica resistindo a esses esforços de ruptura, que são necessário­s, porque democracia se faz com pluralismo”, afirma Marlise.

Ex-reitora da Universida­de Federal de Juiz de Fora e deputada federal no terceiro mandato, Margarida Salomão era a única mulher contra cinco candidatos homens quando concorreu à prefeitura da sua cidade natal em 2008.

Doze anos depois, dos 11 candidatos na disputa, cinco eram mulheres. Entre os quatro mais votados, três eram candidatas —além de Margarida, Ione (Republican­os) e Delegada Sheila (PSL).

“Ter mais mulheres disputando muda a natureza da disputa. Reforça de forma expressiva que as mulheres estão disputando seus direitos e que prefeitura é lugar que mulher pode ocupar. Mexe com a imaginação política da população”, diz Margarida, eleita com 54,9% dos votos contra 45% do adversário, Wilson Rezato (PSB).

Marília Campos, primeira prefeita de Contagem em 2004 e reeleita em 2008, diz que enfrentou mais rejeição ao PT do que machismo.

Durante a apuração, ela e o adversário, Felipe Saliba (DEM), se alternaram em vários momentos na liderança e chegaram a ter diferença de apenas quatro votos.

A petista, que ficou à frente no primeiro turno com 41,8% dos votos, foi eleita no segundo com 51,3% —7.781 votos a mais que Saliba. Hoje deputada estadual, Marília acredita que as mulheres têm uma forma diferente de fazer política que tem encontrado respaldo junto ao eleitorado.

“O fato de a gente não abandonar a vida cotidiana, de educar filhos, de fazer compras no supermerca­do dá uma dimensão diferente na forma como lida [com as questões], ou seja, a política não é nossa única agenda”, diz ela, que é mãe de três filhos, um dos quais ainda mora com ela.

“A gente educa pelo exemplo, mas é importante ter isso na família e na escola”, afirma Marília. “Enquanto a gente não tiver mulheres estimulada­s a disputar o espaço público, não vamos conseguir vencer a questão da representa­ção, que ainda é pequena.”

Estudo de 2o18 realizado pelo Instituto Alziras, que ouviu 45% das 649 prefeitas eleitas em 2016 no país, aponta que as mulheres são minoria nos Executivos municipais (12% das prefeitura­s) e governam municípios menores e mais pobres.

Segundo o estudo, 91% das prefeitas estavam em municípios com menos de 50 mil habitantes, 60% delas já haviam sido eleitas em cargos políticos e 71% tinham ensino superior.

Estreante em eleições, Elisa Araújo conta em seu site que foi a primeira mulher em 80 anos a presidir o braço regional da Fiemg (Federação das Indústrias de Minas Gerais) na região do Vale do Rio Grande e que estava pronta para ser a primeira prefeita de Uberaba.

Apoiada pelo governador Romeu Zema (Novo), ela venceu o segundo turno com 57,3% dos votos contra 42,6% de Tony Carlos (PTB), que tinha uma vice mulher.

Nas redes sociais, diz ela, o machismo foi mais acentuado, com comentário­s que diziam que seu lugar era na cozinha e cuidando da casa.

“A mulher, sim, pode estar no lugar que ela quiser”, diz Elisa. “Uberaba sempre foi governada pelos mesmos grupos políticos, a gente entendeu que precisava de alternânci­a e enfrentamo­s.”

Elisa quer ouvir servidores para definir o secretaria­do. Marília tentou manter o equilíbrio nos governos anteriores e deve buscar isso agora, embora gênero não seja o único critério. Já Margarida colocou como um dos compromiss­os ter um secretaria­do paritário —a equipe de transição tem três homens e três mulheres.

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