Folha de S.Paulo

Chefe do Ibope pede desculpas por imprecisão em Porto Alegre

- Naief Haddad Colaborou Renata Galf

Na pesquisa da véspera do 2º turno, Manuela obteve 51%, e Melo, 49%; político do MDB saiu vencedor, com 55%

SÃO PAULO Encerrado o primeiro turno destas eleições municipais, em 15 de novembro, chamou a atenção dos eleitores de Porto Alegre a distância entre a pontuação dos líderes, Sebastião Melo (MDB) e Manuela d’Ávila (PC do B), na pesquisa divulgada pelo Ibope na véspera (14) e os resultados conhecidos horas depois de fechadas as urnas.

Sempre consideran­do os votos válidos, Melo havia obtido 25% na pesquisa e fechou o primeiro turno com 31%. O Ibope tinha apontado Manuela com 40% das intenções de voto, mas o resultado da exdeputada federal nessa fase inicial da disputa foi 29%.

No 2º turno, uma nova surpresa para o eleitorado da capital gaúcha. Na pesquisa apresentad­a no sábado (28), Manuela aparecia com 51%, e Melo com 49%, um empate técnico, com leve vantagem para a candidata do PCdoB.

Nas urnas, no entanto, Melo alcançou 55%, elegendo-se prefeito de Porto Alegre, e Manuela ficou com 45%. Esses números estão fora da margem de erro da pesquisa, que é de três pontos percentuai­s.

Em entrevista­s a veículos de imprensa de Porto Alegre, como a Rádio Gaúcha, nesta segunda (30), a presidente do Ibope Inteligênc­ia, Márcia Cavallari, pediu desculpas aos moradores da cidade. “Pedi desculpas pela informação que não foi precisa. Precisamos estudá-la em profundida­de”, afirmou à Folha.

Ela lança algumas hipóteses para a distância verificada entre os números das pesquisas de véspera e os resultados finais no primeiro e no segundo turno. “Será que precisamos entender melhor os perfis dos eleitores que se abstiveram? Será que a nossa amostragem foi pequena para representa­r a cidade como um todo?”, questiona.

Segundo a presidente do Ibope, os institutos de pesquisa enfrentara­m, nas palavras dela, “três pontos críticos” nessas eleições.

O primeiro foi a alta taxa de abstenção em todo o país. E Porto Alegre está entre as capitais que lideram esse quesito: 33,1% se abstiveram no primeiro turno, e 32,8% no segundo. Para efeito de comparação, a eleição na cidade em 2016 teve 22,5% de abstenções na rodada inicial e 25,3% na disputa final.

O segundo aspecto levantado por Cavallari é a pandemia da Covid-19. De acordo com ela, as equipes do Ibope passam nas casas dos eleitores para verificar a intenção de voto, e alguns deles se recusam a falar com o pesquisado­r, embora ele siga os protocolos de prevenção à doença. Como o padrão de recusa nem sempre é homogêneo (pode diferir entre perfis de eleitores), a pesquisa pode ficar comprometi­da.

O terceiro tópico é a defasagem da malha censitária, que é a composição dos setores com base nos resultados do Censo. Setor, nesse contexto, é o conjunto de domicílios que o IBGE utiliza como menor unidade para a realização do Censo.

Usada pelos institutos, junto com outras informaçõe­s, para definir a amostragem de entrevista­dos em cada cidade, a malha censitária não é atualizada desde 2010, de acordo com Cavallari.

É bastante provável, portanto, que esses “pontos críticos” tenham afetado os resultados das pesquisas em 2020.

Para o levantamen­to publicado no quadro à direita, a reportagem levou em conta as oito maiores capitais do país que tiveram segundo turno. Datafolha e Ibope atuaram em quatro delas: São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Recife. Só houve pesquisas do Ibope em outras quatro cidades sob esse recorte da Folha: Manaus, Belém, Goiânia e Porto Alegre.

De modo geral, os institutos identifica­ram bem as tendências que levaram aos vencedores nesses oito municípios. Por outro lado, registrous­e diferença além da margem de erro na maior parte dessas capitais, consideran­do os índices das pesquisas de véspera e os resultados finais.

Cavallari e Alessandro Janoni, diretor de pesquisas do Datafolha, dizem, entretanto, que é incorreto comparar os números desses dois momentos. De acordo com eles, a pesquisa é sempre um retrato do momento em que ela é realizada, e não uma previsão do resultado da eleição.

Em São Paulo, a pesquisa do Datafolha da véspera do segundo turno indicou Bruno Covas com 55% e Guilherme Boulos, 45%. Ao fim da apuração, o candidato do PSDB atingiu 59%, e o postulante do PSOL, 41%.

Para Janoni, o alto índice de abstenções, considerad­o por ele um dos fenômenos destas eleições, ajuda a explicar essa distância entre os número da pesquisa e o resultado final na capital paulista.

“Os bairros onde Boulos têm votação acima da média estão entre aqueles que tiveram aumento de abstenção do primeiro para o segundo turno”, afirma. “Não fosse a abstenção tão alta nessas regiões, o candidato do PSOL teria recebido mais votos.”

O diretor do Datafolha cita como exemplo Cidade Tiradentes, onde Boulos superou Covas. A abstenção do primeiro para o segundo turno nesse bairro do extremo leste da cidade subiu 8,3% —a média de elevação na capital paulista entre as duas fases foi de 5,2%.

Cavallari também comentou a ausência de pesquisas de boca de urna pelo Ibope nesse segundo turno.

“Havíamos registrado no TSE quatro cidades nas quais poderíamos fazer boca de urna, São Paulo, Rio, Recife e Porto Alegre. No caso das duas primeiras, a pesquisa de sábado indicou que não existia sinal de virada, por isso achamos que não valia a pena”, diz.

“Em Recife e Porto Alegre, havia indicação de empate técnico, uma disputa voto a voto. Assim, a boca de urna também não seria necessária.”

Por último, embora não menos importante, Cavallari aponta limitação financeira. “Não havia encomenda de boca de urna de nenhum veículo de comunicaçã­o. Nesse caso, o Ibope teria que bancar a pesquisa sozinho”, conclui.

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