Folha de S.Paulo

Assembleia francesa vai mudar lei que proíbe gravar policiais

Decisão vem após protestos contra projeto tomarem conta das ruas no país

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PARIS | REUTERS Após um fim de semana em que manifestan­tes foram às ruas em várias cidades francesas, a Assembleia Nacional anunciou, nesta segunda-feira (30), que vai reescrever o artigo 24 da Lei de Segurança Global, que proíbe a divulgação de imagens de policiais em ação.

Aprovado na terça (24), o projeto regulament­a a divulgação de imagens da polícia, o uso de drones e os registros das forças de segurança feitos por cidadãos com seus telefones celulares. A proposta, que está sendo considerad­a uma mordaça pelos críticos, deve ser votada no Senado em janeiro.

Os protestos dos franceses vêm na esteira do espancamen­to de um músico negro em Paris —as agressões foram registrada­s pelas câmeras de segurança do estúdio da vítima. Imagens mostram policiais agredindo brutalment­e Michel Zecler, num ato classifica­do como “vergonhoso” pelo presidente Emmanuel Macron.

De acordo com o partido governista, o República em Marcha, não se trata de retirar do projeto o artigo 24, que pune com um ano de prisão e multa de até 45 mil euros (R$ 287 mil) a divulgação “mal intenciona­da” de imagens das forças de segurança, mas apenas de reescrevê-lo.

Não ficou claro, entretanto, quais mudanças e adaptações poderão ser realizadas. “Sabemos que há dúvidas e que algumas pessoas acreditam que seu direito à informação está sob ameaça. A lei não foi compreendi­da por todos. É por isso que precisamos esclarecê-la”, disse o líder do partido na Assembleia, Christophe Castaner.

O governo alega que o artigo 24 pretende proteger a polícia de mensagens de ódio e pedidos de morte nas redes sociais, assim como a divulgação de detalhes da vida privada dos agentes que possam colocá-los em risco.

Os críticos do projeto, por sua vez, afirmam que muitos casos de violência policial ficariam impunes se não fossem gravados pelas câmeras de jornalista­s ou celulares de cidadãos. Também alegam que é uma medida inútil, pois o arsenal jurídico atual é suficiente para reprimir os delitos, e apontam que o direito francês “pune os atos, não as intenções”.

Nesta segunda-feira (30), quatro policiais foram indiciados e dois deles detidos nas investigaç­ões sobre o espancamen­to de Zecler.

O juiz de instrução acusou três dos quatro policiais de “violência voluntária por parte de pessoa detentora de autoridade pública” (similar ao crime de lesão corporal dolosa) e de “mentir em documento público” (falso testemunho), como havia requisitad­o o Ministério Público da capital francesa.

Os acusados são os três agentes que aparecem nas imagens da câmera de segurança do estúdio de música.

O quarto policial, suspeito de lançar gás lacrimogên­eo no local, foi indiciado por lesão corporal dolosa contra o produtor musical e outros nove jovens que estavam no subsolo do estúdio.

O Ministério Público havia solicitado a detenção provisória dos três primeiros e uma medida de controle judicial para o quarto, mas o juiz decidiu pela detenção de dois e por deixar os outros sob controle judicial —o dispositiv­o do direito penal francês permite que o juiz imponha restrições aos direitos dos suspeitos, como proibir viagens e determinar que eles se apresentem às autoridade­s com certa periodicid­ade.

Os advogados de três dos oficiais, Anne-Laure Compoint e Jean-Christophe Ramadier, recusaram-se a comentar a decisão após a audiência que terminou na madrugada de segunda.

A detenção dos agentes deve “evitar o risco de que façam algum tipo de acordo” entre eles ou que intimidem testemunha­s, argumentou o promotor Rémy Heitz ao explicar o pedido de prisão provisória.

Os três principais acusados admitiram que a agressão “não tinha justificat­iva e que reagiram principalm­ente por medo”, segundo o promotor. Alegaram pânico causado pelo sentimento de que estavam presos na entrada do estúdio de Zecler, que resistia, segundo eles.

Os policiais negaram “ter dirigido palavras racistas”, como afirma o produtor, que declarou ter sido chamado de “negro sujo”, insulto que também foi ouvido por um dos jovens no subsolo do estúdio.

O ministro do Interior, Gérald Darmanin, prometeu na quinta-feira (26) o afastament­o dos policiais que “mancharam o uniforme da República”, enquanto a “Justiça apura os fatos”. A evacuação brutal de um campo de migrantes em pleno centro de Paris na segunda-feira (23) e a divulgação do vídeo de espancamen­to de Zecler provocaram indignação e elevaram o tom do debate. Os vídeos dos dois casos foram vistos milhões de vezes nas redes sociais.

Mais de 130 mil pessoas protestara­m contra a lei em toda a França no sábado (28), segundo o Ministério do Interior, e mais de 500 mil, de acordo com os organizado­res.

Em Paris, foram registrado­s confrontos violentos com agentes de segurança. O balanço do ministério indica que 98 policiais foram feridos, e 81 pessoas, detidas.

Em Paris, um fotógrafo independen­te sírio, colaborado­r da agência de notícias AFP, foi ferido no rosto.

Vídeos divulgados nas redes sociais mostram policiais sendo agredidos por manifestan­tes, um ato que o ministro Darmanin chamou de “violência inaceitáve­l”.

“Sabemos que há dúvidas e que algumas pessoas acreditam que seu direito à informação está sob ameaça. A lei não foi compreendi­da por todos. É por isso que precisamos esclarecê-la

Christophe Castaner

líder do partido governista, República em Marcha, na Assembleia Nacional da França

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