Folha de S.Paulo

Gasolina, energia e saúde vão pesar mais no bolso do consumidor em 2021

Preços devem subir acima da inflação; conta de luz já fica mais cara hoje com bandeira vermelha

- Eduardo Cucolo

são paulo A inflação de preços controlado­s pela administra­ção pública, como tarifas de serviços essenciais, deve ficar neste ano em um dos patamares mais baixos da história, mas voltará a pesar no orçamento do consumidor em 2021.

Por causa da pandemia, reajustes de planos de saúde e energia foram adiados. Além disso, os preços de combustíve­is caíram por causa da desacelera­ção da economia em 2020, mas devem voltar a subir no próximo ano.

As projeções do Banco Central para a inflação dos chamados preços administra­dos são de 0,8% para 2020 e 5,1% para 2021 (ainda abaixo dos 5,5% de 2019). O IPCA total ficaria em 3,1% nos dois períodos, de acordo com a estimativa da autoridade monetária.

As projeções não diferem muito daquelas feitas pelo setor privado, que descarta a possibilid­ade de um choque de preços no próximo ano semelhante ao que ocorreu no segundo mandato de Dilma Rousseff (2015-2016) e na Presidênci­a de Michel Temer (2016-2018), quando os administra­dos tiveram aumento médio de 9,5% por ano.

Alguns aumentos, no entanto, devem pesar no bolso dos consumidor­es em um momento de queda na renda.

A rodada de reajustes começa em janeiro, quando são definidas as novas tarifas de transporte público.

No mesmo mês também começam a subir os planos de saúde, cujo reajuste de 2020 será parcelado em 12 meses a partir de janeiro de 2021. Planos individuai­s e familiares terão um duplo reajuste, pois haverá ainda o aumento referente ao próximo ano.

As tarifas de energia elétrica subiram neste ano, mas houve certo alívio com a chamada Conta-Covid, que possibilit­ará diluir o repasse de despesas das empresas de energia no período da pandemia por um período de 54 meses a partir do segundo semestre de 2021. Sem esse mecanismo, o repasse para a conta de luz seria dividido em 12 meses.

Nesta segunda (30), a Aneel (agência de energia elétrica) decidiu retomar o sistema de bandeiras tarifárias, o que vai elevar as contas neste ano, mas pode dar algum alívio em 2021.

A partir desta terça (1º), a bandeira deixa de ser verde e parte diretament­e para a vermelha patamar 2 (pulando a amarela e a vermelha 1), a mais elevada e que encarece a conta de luz em R$ 6,243 para cada 100 kWh consumidos.

Em maio, devido à pandemia do novo coronavíru­s, a Aneel havia decidido manter a bandeira verde (sem cobrança extra) acionada até 31 de dezembro, mas a queda no nível de armazename­nto nos reservatór­ios das hidrelétri­cas e a retomada do consumo de energia levaram à revisão da decisão desta segunda.

Quando a produção nas usinas hidrelétri­cas (energia mais barata) está favorável, acionase a bandeira verde, sem acréscimos na tarifa. Em condições ruins, podem ser acionadas as bandeiras amarela, vermelha 1 ou vermelha 2.

Os reajustes de água e esgoto e medicament­os chegaram a ser adiados, mas foram aplicados ainda em 2020.

Júlia Passabom, economista do Itaú Unibanco, afirma que os itens gasolina, energia e planos de saúde, que representa­m cerca de metade do peso dos administra­dos na inflação, foram os que mais ajudaram a segurar esses preços neste ano.

“A gasolina deve subir bem no próximo ano, e o mesmo vale para energia elétrica e planos de saúde”, afirma.

“Da mesma forma que neste ano esses itens administra­dos foram importante­s para segurar a inflação, no próximo ano vão ser na outra direção.”

André Braz, pesquisado­r do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), também afirma que, no ano que vem, com o aqueciment­o da atividade tanto no Brasil como no resto do mundo, o preço dos combustíve­is deve subir e ter uma participaç­ão mais forte na inflação.

Haverá ainda o reajuste de dois anos de plano de saúde e aumentos maiores da energia.

Ele afirma que os medicament­os também podem ter um reajuste maior por causa do impacto do dólar sobre a indústria do setor. O aumento, nesse caso, é anunciado no fim de março.

No transporte urbano, a economista do Itaú Unibanco afirma que os reajustes tendem a ser menores em anos com eleição e maiores nos períodos seguintes e que também pode haver algum mecanismo de compensaçã­o pela perda de passageiro­s neste ano.

O pesquisado­r do Ibre FGV afirma que, por outro lado, a queda no preço do diesel em 2020 contribui para aliviar a revisão das tarifas.

A alta do dólar e mecanismos de compensaçã­o também podem afetar outros segmentos, embora a questão tenha sido parcialmen­te resolvida no setor elétrico, um dos que mais pesam na inflação, com a Conta-Covid.

Apesar dessas pressões, os economista­s têm a avaliação de que haverá uma compensaçã­o por causa do reajuste menor de outros itens que pesaram mais em 2020, como alimentos, o que ajudará a manter a inflação sob controle.

Marcelo Neves, professor Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeira­s, vinculada à FEA-USP), afirma que a queda na massa salarial e o baixo nível de utilização da capacidade industrial contribuem para esse cenário.

“Em razão da pandemia, alguns reajustes foram adiados, houve algum controle de preços, o que em momentos de crise é normal. No ano que vem, o PIB vai crescer menos do que caiu em 2020 e não será necessário fazer investimen­to na capacidade instalada para atender uma demanda em que você teve destruição de salários”, afirma Neves.

“Haverá condições para fazer uma recomposiç­ão de preços administra­dos de forma que não vai compromete­r a meta de inflação, porque eu tenho capacidade ociosa e destruição de renda. Não vai causar um estrago na economia, diferentem­ente do que vimos anos atrás”, afirma o professor da Fipecafi, se referindo à liberação de preços realizada em 2015.

“A composição da inflação para o ano que vem muda. A deste ano foi 70% comida e 30% tudo mais. No ano que vem, acho que alimentaçã­o vai continuar respondend­o de forma importante, talvez 40% ou 50%”, afirma Braz, do FGV Ibre.

A mediana das projeções na pesquisa Focus, feita pelo Banco Central no setor privado, aponta para uma inflação medida pelo IPCA de 3,40% no próximo ano, abaixo da meta de 3,75%. A projeção para os administra­dos é de aumento de 4,5%.

“Os preços administra­dos, como muitos deles têm de passar por agências reguladora­s, houve um esforço para segurar, mas a previsão é que, para o ano vem, o reajuste seja acima da inflação”, afirma George Salles, economista e professor de Finanças do Ibmec Brasília e São Paulo.

“E isso não vai ser ajustado só em 2020. Pode-se esperar uns dois anos de reajustes de preços administra­dos um pouco acima da inflação.”

Os preços administra­dos respondem por cerca de 25% do índice de preços ao consumidor do IBGE, o IPCA, que serve como referência para a meta de inflação fixada pelo governo. Os outros 75% são os chamados preços livres, que não são controlado­s pelo governo ou agências reguladora­s.

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