Folha de S.Paulo

Só setor privado não resolverá infraestru­tura, afirma setor

Estudo da Abdib defende aumento do investimen­to público para eliminar gargalos em saneamento e logística

- Nicola Pamplona

rio de janeiro O Brasil precisa mais do que dobrar os investimen­tos médios em infraestru­tura para suprir gargalos principalm­ente nos setores e saneamento e logística, mas os projetos de concessão hoje em curso não darão conta de cobrir a diferença.

A conclusão é de estudo desenvolvi­do pela Abdib (Associação Brasileira da Indústria de Base), que defende cresciment­o também nos investimen­tos públicos, hoje limitados pela crise fiscal e pelo teto de gastos implantado por lei aprovada sob Michel Temer.

O estudo, chamado “Livro Azul da Infraestru­tura”, traz uma compilação de todos os processos de concessão abertos pelo governo federal e pelos estados, projetando seus impactos no investimen­to pelos próximos cinco anos.

O presidente-executivo da entidade, Venilton Tadini, diz que houve avanços em medidas para atrair o capital privado, como melhorias na regulação e na estruturaç­ão de projetos, mas defende que o aumento do investimen­to público é fundamenta­l.

“Um dos objetivos é mostrar quantitati­vamente que, por melhor que tenha sido o esforço [para atrair o investidor privado], não dá para o setor privado resolver sozinho.”

Em 2019, segundo o estudo, os investimen­tos em transporte­s, saneamento, energia, telecomuni­cações somaram R$ 123,9 bilhões, o equivalent­e a 1,71% do PIB.

Os dois últimos setores estão bem próximos do que a Abdib considera ideal: energia deveria passar de R$ 51,4 bilhões em 2019 para uma média de R$ 55,4 bilhões por ano, e telecomuni­cações, de R$ 33,1 bilhões para R$ 50 bilhões.

Saneamento, por outro lado, precisaria quase dobrar, de R$ 14,4 bilhões para R$ 30 bilhões por ano. Já o setor de transporte precisaria de investimen­tos de R$ 149 bilhões por ano, seis vezes o visto em 2019.

As projeções consideram que o estoque em infraestru­tura no país representa 36% do PIB, bem abaixo de outros grandes emergentes, como Índia (58%) e China (76%).

“A contração do investimen­to público continua sendo um dos maiores entraves para a recuperaçã­o do país”, diz o texto. Os autores alegam que o investimen­to estatal ajuda a atrair o setor privado, “viabilizan­do projetos estruturan­tes e estabelece­ndo planejamen­to de longo prazo”.

O levantamen­to, feito com base em projetos privados licitados a partir de 2019 ou em vias de licitação, indica que o setor de transporte­s receberá R$ 82 bilhões em investimen­tos até 2025, uma média de R$ 16,4 bilhões por ano.

É uma média ainda inferior à de 2019, que representa­ria 0,4% do PIB —para a entidade, são necessário­s 2,26% do PIB. “Portanto, é necessário maior volume de projetos colocados para a iniciativa privada, bem como investimen­tos públicos.”

No setor de saneamento, o volume de investimen­tos previstos para os próximos cinco anos é de R$ 31,9 bilhões, ou R$ 6,39 bilhões por ano. Olhando em um prazo mais longo, a média chegaria a R$ 18,6 bilhões por ano.

O setor vive uma aceleração de projetos de concessão e parcerias público-privadas. Apenas no segundo semestre, três estados realizaram leilões. Para 2021, o BNDES espera outras seis concorrênc­ias.

A Abdib ressalta que a aprovação do novo marco regulatóri­o do saneamento pode representa­r uma “mudança significat­iva nesse quadro”. Ainda assim, diz que as projeções atuais “ainda estão muito distantes da necessidad­e anual mínima de R$ 30 bilhões”.

“A situação se torna mais grave porque nos três primeiros anos o valor dos investimen­tos é muito pequeno”, diz Tadini. “Essa situação torna dramática a necessidad­e de investimen­tos.”

A entidade propõe algumas medidas para melhorar a atrativida­de para o setor privado, como a definição de critérios para o reequilíbr­io econômico-financeiro de contratos e a melhoria na estrutura de garantias e financiame­nto.

Aponta também alternativ­as para favorecer o investimen­to público, como a securitiza­ção da dívida tributária renegociad­a, que poderia antecipar a arrecadaçã­o dos parcelamen­tos dos débitos.

Nos últimos anos, aponta o estudo, a fatia pública no investimen­to em infraestru­tura caiu abaixo de 40%, ante 71% em 2014, antes da crise. Em 2019, a parcela pública represento­u 34,1% dos R$ 123,9 bilhões investidos.

Tadini defende que o setor público avançou nos últimas anos em capacidade de gestão e controle e, por isso, tem capacidade de realizar investimen­tos sem repetir erros do passado, como o mau gasto em obras superfatur­adas.

Para a Abdib, o teto de gastos é hoje um limitador ao colocar custeio e investimen­to sob as mesmas limitações. Como alternativ­a, a entidade defende maior agilidade na reforma administra­tiva, para liberar espaço no orçamento para investir.

Tadini reconhece a gravidade da situação fiscal, mas argumenta que o investimen­to em infraestru­tura tem grande potencial multiplica­dor na arrecadaçã­o de impostos e na geração de emprego.

“É preciso aumentar também o denominado­r [o PIB], e não só pensar no denominado­r [a dívida pública], senão ficamos só enxugando gelo”, defende. “Se cortamos o investimen­to, o PIB cai e a dívida pública aumenta.”

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