Folha de S.Paulo

Brasil poderia reduzir em 70% a área usada e manter a mesma produção

- Mauro Zafalon mauro.zafalon@uol.com.br

A agropecuár­ia brasileira caminha na direção certa, mas a passos pequenos em algumas áreas. Em 47 anos, o setor teve cresciment­o médio anual de 3,22%. De 2006 a 2017, a produtivid­ade cresceu 2,21%, acima da média mundial e do 1,21% dos Estados Unidos. A comparação entre esses dois censos mostra que 67,5% da expansão se deve a ganhos de produtivid­ade.

O setor tem muito a melhorar, no entanto, principalm­ente em um dos pontos de maior relevância no momento: a sustentabi­lidade.

O país produz 26% a menos do que poderia potencialm­ente produzir utilizando a mesma quantidade de insumos da produção corrente. Melhor ainda, poderia reduzir em 70% a quantidade de terra utilizada em suas atividades, mantendo os níveis atuais de produção.

Esses dados fazem parte de um estudo feito por 64 pesquisado­res, que se debruçaram sobre os censos agropecuár­ios brasileiro­s para avaliar resultados e buscar diretrizes para políticas públicas nesse setor.

O resultado foi uma publicação de 408 páginas: “Uma Jornada pelos Contrastes do Brasil – Cem anos de Censo Agropecuár­io”. Os trabalhos foram coordenado­s por José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada), e por José Garcia Gasques, do Ministério da Agricultur­a.

Os pesquisado­res mostram que tecnologia, assistênci­a técnica, acesso a crédito, alfabetiza­ção e mão de obra qualificad­a são pontos essenciais para o desenvolvi­mento.

Para um aumento de 100% no VBP (Valor Bruto de Produção), a tecnologia foi responsáve­l por 60% dessa conquista, conforme o censo de 2017.

Concentraç­ão de renda, envelhecim­ento da população no campo, menos assistênci­a técnica, menor volume de crédito oficial e perda de espaço da agricultur­a familiar são pontos negativos.

Entre os positivos, estão a melhora no patamar de escolarida­de, o cresciment­o da frota agrícola, o plantio direto e avanços na pecuária.

As cooperativ­as, porém, têm desempenha­do um papel prepondera­nte na evolução tanto da chamada agricultur­a comercial como da agricultur­a familiar. O censo de 2017 apresentou um aumento de 67,3% no número de estabeleci­mentos rurais ligados a cooperativ­as, em relação a 2006.

Os números do censo mostram que a concentraç­ão continua no campo. Em 2017, apenas 9% dos estabeleci­mentos mais ricos geraram 85% do VBP, ou seja, tudo o que foi produzido dentro da porteira. A agricultur­a comercial obtém sete vezes mais renda do que a familiar.

Há uma constante redução da força de trabalho no campo. Além da queda no tamanho das famílias, o que compromete a agricultur­a familiar, as mulheres e os jovens estão mais dispostos a abandonar as áreas rurais.

De 1985 a 2017, a população ocupada no campo teve retração de 8 milhões de pessoas, mas o emprego cresce na região Centro-Oeste. O cresciment­o ocorre mais com capital do que com mão de obra.

A avaliação dos dois últimos censos permite ver que há uma boa interligaç­ão dos gastos com pesquisas com a conversão delas em resultados práticos. A orientação técnica recebida pela agricultur­a familiar, no entanto, é baixa, atingindo apenas 18,7%. Na comercial, o patamar é de 27,8%. Esses percentuai­s são inferiores aos apontados no censo de 2006.

Alguns fatores ainda retardam o cresciment­o da produção. O censo de 2017 mostrou que apenas 83,1% dos estabeleci­mentos tinham energia elétrica. A irrigação atinge 6,7 milhões de hectares, uma área pequena em relação ao tamanho da agropecuár­ia, e o acesso à internet cresceu oito vezes em uma década, mas ainda é restrito a 12,1% das propriedad­es.

A participaç­ão da agricultur­a familiar perde espaço no Valor Bruto de Produção. No censo de 2006, essa participaç­ão era de 36,1%, mas recuou para 28,4% em 2017. Menos crédito do Pronaf, queda na assistênci­a técnica e seca entre 2012 e 2017 foram fundamenta­is para essa redução.

O censo de 2017 mostra que boa parte dos pequenos e médios produtores ainda é competitiv­a. Essa competitiv­idade, as poucas alternativ­as fora da agricultur­a e políticas públicas de incentivos podem permitir a continuida­de deles na atividade.

Uma das saídas para os pequenos e médios produtores são os projetos públicos de irrigação. No Nordeste, para cada R$ 1 investido, há um retorno positivo de R$ 12,89 para o produtor.

Entre as políticas públicas, há a necessidad­e de melhorar a assistênci­a técnica e a extensão rural, que vêm caindo.

No censo de 2006, 22,1% receberam orientação técnica regular ou ocasional. Em 2017, foram 20,8%.

A avaliação dos dados dos censos mostra que a expansão da pecuária bovina se apresenta cada vez mais integrada a sistemas silvícola e agrícola e voltada para a recuperaçã­o de pastagens degradadas, reproduzin­do um novo perfil ambientalm­ente sustentáve­l, afirmam os pesquisado­res.

O enfrentame­nto dos desafios apontados e a disponibil­idade de recursos garantem a importânci­a do Brasil nos abastecime­ntos doméstico e internacio­nal, segundo os pesquisado­res. Os dados serão divulgados nesta terça (1º) pelo Ministério da Agricultur­a e pelo Ipea.

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