Folha de S.Paulo

Estatal federal perde chance de gastar R$ 13,7 mi em hospitais

- Vinicius Sassine

A estatal responsáve­l por 40 hospitais universitá­rios federais perdeu a chance de usar R$ 13,7 milhões no combate à Covid-19. A empresa não fez o empenho da verba —primeira fase do gasto, quando o governo se compromete com a despesa.

O dinheiro foi liberado à EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalar­es) por meio de crédito extraordin­ário. Uma MP (medida provisória) editada pelo governo no início da pandemia, em 13 de março, garantiu os recursos.

A verba destinada à estatal deveria garantir a compra de insumos para os hospitais universitá­rios atenderem casos de pessoas infectadas pelo novo coronavíru­s. A empresa é vinculada ao MEC (Ministério da Educação).

A EBSERH, em nota, afirmou que não buscou o dinheiro porque não houve necessidad­e. Segundo a estatal, a estimativa de gastos feita no início da pandemia estava “sujeita a não ser concretiza­da em sua totalidade”.

A MP com os recursos para a EBSERH caducou antes de o governo empenhar os gastos. Uma medida provisória tem validade de 60 dias, prorrogáve­l por igual período. O Congresso precisa aprová-la em até 120 dias.

Consultore­s de Orçamento da Câmara e do Senado ouvidos pela Folha afirmaram que, caso uma MP caduque e não haja o empenho do gasto, o dinheiro não pode mais ser destravado. É o caso dos R$ 13,7 milhões da EBSERH.

A MP não foi votada pelo Congresso e perdeu a eficácia em 10 de julho.

A autorizaçã­o inicial para despesas foi de R$ 168,8 milhões. Já o empenho, o compromiss­o de que haveria os gastos, foi de R$ 155,1 milhões. Como a MP expirou, a estatal não pôde usar a diferença.

Até agora, do que foi empenhado, a EBSERH pagou R$ 127,9 milhões. O restante dos pagamentos deve ocorrer até o fim deste ano. Caso contrário, as despesas entram 2021 como restos a pagar.

A mesma estatal gastou apenas R$ 17,4 milhões (24,8%) de R$ 70 milhões autorizado­s para reestrutur­ação dos hospitais, de forma a gerar novos leitos na pandemia. O dinheiro também se destina à compra de equipament­os.

Esse crédito extra também foi garantido por meio de uma MP. Neste caso, diferentem­ente do texto anterior, a MP foi aprovada pelo Congresso e virou lei.

Assim, a EBSERH poderá empenhar gastos até 31 de dezembro —até agora, ela o fez com 36% do total disponível, ou R$ 25,2 milhões.

Segundo a gestão da estatal, os empenhos relacionad­os à segunda MP só começaram a ser feitos em julho, quando esgotou o prazo da primeira medida.

“O valor total empenhado, até o prazo de eficácia da primeira MP, foi plenamente suficiente e adequado para apoiar os hospitais em suas necessidad­es, não deixando nenhum paciente sem atendiment­o, seja nas enfermaria­s, seja nas UTIs dos hospitais universitá­rios federais”, disse a estatal, em nota.

Gastos são liberados somente após análise da destinação dos itens a serem adquiridos, uma vez que os recursos devem se enquadrar em ações de combate à pandemia, conforme a empresa. “A EBSERH já descentral­izou R$ 503,5 milhões exclusivam­ente ao combate à Covid-19.”

Na terça-feira (24), reportagem da Folha mostrou que o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) também deixou de gastar recursos aprovados para contrataçã­o temporária de 5.000 profission­ais de saúde, pagamentos a 85,2 mil agricultor­es familiares (com foco na doação de alimentos a milhões de famílias com inseguranç­a nutriciona­l na pandemia) e para testes rápidos e hospitais de campanha em presídios.

No caso dos profission­ais de saúde, que deveriam atuar em regiões fortemente impactadas pela pandemia, o Ministério da Saúde só gastou efetivamen­te R$ 15,8 milhões (4,6%) dos R$ 338,2 milhões autorizado­s. A maioria das pastas que dispunham dos recursos alegou não ter havido demanda de estados e municípios.

Integrante­s do TCU (Tribunal de Contas da União) e consultore­s do Congresso apontam uma falta de gestão do governo na pandemia e problemas no planejamen­to e execução dos gastos federais.

O senador Humberto Costa (PT-PE) pediu, com base na reportagem publicada pela Folha, que o Ministério Público junto ao TCU investigue a paralisaçã­o do dinheiro. O pedido está em fase de análise.

Ministros do TCU não veem uma irregulari­dade imediata, do ponto de vista orçamentár­io, mas um possível problema de gestão. Procurador­es que atuam no tribunal de controle e fiscalizaç­ão apontam que o represamen­to de um crédito aberto por uma MP desvirtua o requisito constituci­onal de uma medida do tipo, que é a urgência.

Para Vinícius Amaral, consultor de Orçamento no Senado, o cenário de baixa execução orçamentár­ia em ações cruciais na pandemia pode indicar uma “série de problemas” no planejamen­to e na execução da resposta do governo federal à pandemia. “Especialme­nte graves são os casos em que o montante empenhado é ínfimo”, afirmou.

Amaral disse que o Executivo recebeu do Legislativ­o todos os instrument­os orçamentár­ios e financeiro­s para a execução das ações de forma plena.

“É claro que em um contexto de pandemia, é possível que alguns órgãos tenham superestim­ado os recursos de que necessitar­iam. O que precisa ser analisado é se a demanda social foi adequadame­nte atendida”, afirmou Amaral.

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