Testemunhas dizem que Beto as importunou
Segundo delegada, pessoas procuraram a Polícia Civil para relatar episódios que teriam ocorrido no Carrefour
“Muito se fala sobre a vida pregressa da vítima, sobre ter causado algum embaraço anterior no supermercado. Apuramos tudo para entregar o inquérito mais completo possível à Justiça, mas nada muda o teor da violência. A reação foi desproporcional Roberta Bertoldo delegada
Clientes do Carrefour disseram à Polícia Civil que foram importunadas dentro do supermercado por Beto Freitas, 40, espancado até a morte no local no último dia 19. Segundo os relatos das testemunhas, as importunações ocorreram em ocasiões anteriores ao dia do homicídio.
A delegada Roberta Bertoldo, que investiga o caso, afirmou que as testemunhas procuraram espontaneamente a Polícia Civil para relatar os episódios. Ela afirma que novas imagens das câmeras de segurança do Carrefour estão sendo analisadas para verificar a veracidade dos relatos.
Bertoldo diz que, mesmo que as importunações sejam confirmadas, estes fatos “não alteram absolutamente nada o fato de ter havido um homicídio”. Mais de 40 pessoas já foram interrogadas pela polícia, que aguarda o laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP) para concluir o inquérito.
“[As testemunhas] referiram que a vítima era alguém que, por vezes, costumava causar algumas intercorrências no mercado, importunando algumas pessoas que lá estavam no sentido de fazer as suas compras ou adquirir algum produto”, disse ela.
Um dos seguranças presos pelo crime disse à polícia que não houve discussão com Beto Freitas antes da agressão. Ele afirmou também que não teve a intenção de matá-lo. Logo após a prisão em flagrante, ele havia optado por permanecer em silêncio. Porém, na última sexta (27), falou durante cerca de quatro horas em depoimento à Polícia Civil.
“A intenção dele [segundo o depoimento] era tão somente de imobilizar a vítima [Beto] em razão de que, depois de ela tê-lo atingido com um soco, teria ficado extremamente agressiva”, relatou Bertoldo.
À Folha a delegada afirmou que nada justifica a violência cometida contra Freitas.
“Muito se fala sobre a vida pregressa da vítima, sobre ter causado algum embaraço anterior no supermercado. Apuramos tudo para entregar o inquérito mais completo possível à Justiça, mas nada muda o teor da violência. A reação foi desproporcional”, diz.
Profissionais da empresa de comunicação pública do governo federal foram orientados a ignorar o caso nas mídias sociais da agência. A determinação foi revelada pela revista Época e confirmada pela Folha.
A divulgação em redes sociais é uma forma de garantir maior visualização de um determinado conteúdo.
Procurada para comentar a orientação, a EBC não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Freitas foi assassinado em 19 de novembro, véspera do Dia da Consciência Negra. As circunstâncias da morte e a repercussão geraram uma onda de comoção e protestos contra racismo no país.
O episódio teve amplo destaque em veículos de comunicação do país e esteve entre os assuntos mais comentados nas redes sociais nos dias seguintes à morte de Freitas.
No entanto, não houve menção ao caso Beto Freitas no Twitter e no Facebook da Agência Brasil. Vinculada à EBC, a agência produz conteúdos considerados de interesse público, que são distribuídos de forma gratuita.
A agência de notícias acompanhou o caso Beto Freitas e publicou em seu portal alguns textos sobre o assassinato.
Além de uma reportagem sobre a morte de Beto Freitas, a agência veiculou a reação da ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) lamentando a morte.
Houve ainda a publicação de uma reportagem sobre investigações da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo contra a empresa de segurança terceirizada que prestava serviços para o Carrefour.
A agência também produziu um texto sobre pedido da alta comissária da ONU (Organização das Nações Unidas) para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, para que a morte fosse apurada.
Essas reportagens, no entanto, não ganharam espaço nas mídias sociais da agência.
Movimentos em defesa da comunicação pública afirmam que desde 16 de novembro houve mudanças nas regras de postagens de conteúdos da Agência Brasil no Facebook e no Twitter.
Segundo a página Fica EBC, houve a diminuição no fluxo de postagens e temas de grande repercussão foram ignorados nas mídias sociais da agência.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não comentou a morte de Freitas. No entanto, no dia seguinte ao episódio, ele disse que o lugar de quem prega a discórdia é no lixo.
Bolsonaro disse que “aqueles que instigam o povo à discórdia, fabricando e promovendo conflitos, atentam não somente contra a nação, mas contra nossa própria história”. “Quem prega isso está no lugar errado. Seu lugar é no lixo!”, escreveu em redes sociais.
As autoridades do governo federal que lamentaram o assassinato não o vincularam com o racismo estrutural no Brasil.
O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que não existe racismo no Brasil. “Não, para mim no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar, isso não existe aqui. Eu digo para você com toda tranquilidade, não tem racismo”, afirmou o vice na ocasião.
“Não, para mim no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar, isso não existe aqui. Eu digo para você com toda tranquilidade, não tem racismo Hamilton Mourão vice-presidente da República