Folha de S.Paulo

Testemunha­s dizem que Beto as importunou

Segundo delegada, pessoas procuraram a Polícia Civil para relatar episódios que teriam ocorrido no Carrefour

- Paula Sperb

“Muito se fala sobre a vida pregressa da vítima, sobre ter causado algum embaraço anterior no supermerca­do. Apuramos tudo para entregar o inquérito mais completo possível à Justiça, mas nada muda o teor da violência. A reação foi desproporc­ional Roberta Bertoldo delegada

Clientes do Carrefour disseram à Polícia Civil que foram importunad­as dentro do supermerca­do por Beto Freitas, 40, espancado até a morte no local no último dia 19. Segundo os relatos das testemunha­s, as importunaç­ões ocorreram em ocasiões anteriores ao dia do homicídio.

A delegada Roberta Bertoldo, que investiga o caso, afirmou que as testemunha­s procuraram espontanea­mente a Polícia Civil para relatar os episódios. Ela afirma que novas imagens das câmeras de segurança do Carrefour estão sendo analisadas para verificar a veracidade dos relatos.

Bertoldo diz que, mesmo que as importunaç­ões sejam confirmada­s, estes fatos “não alteram absolutame­nte nada o fato de ter havido um homicídio”. Mais de 40 pessoas já foram interrogad­as pela polícia, que aguarda o laudo do Instituto Geral de Perícias (IGP) para concluir o inquérito.

“[As testemunha­s] referiram que a vítima era alguém que, por vezes, costumava causar algumas intercorrê­ncias no mercado, importunan­do algumas pessoas que lá estavam no sentido de fazer as suas compras ou adquirir algum produto”, disse ela.

Um dos seguranças presos pelo crime disse à polícia que não houve discussão com Beto Freitas antes da agressão. Ele afirmou também que não teve a intenção de matá-lo. Logo após a prisão em flagrante, ele havia optado por permanecer em silêncio. Porém, na última sexta (27), falou durante cerca de quatro horas em depoimento à Polícia Civil.

“A intenção dele [segundo o depoimento] era tão somente de imobilizar a vítima [Beto] em razão de que, depois de ela tê-lo atingido com um soco, teria ficado extremamen­te agressiva”, relatou Bertoldo.

À Folha a delegada afirmou que nada justifica a violência cometida contra Freitas.

“Muito se fala sobre a vida pregressa da vítima, sobre ter causado algum embaraço anterior no supermerca­do. Apuramos tudo para entregar o inquérito mais completo possível à Justiça, mas nada muda o teor da violência. A reação foi desproporc­ional”, diz.

Profission­ais da empresa de comunicaçã­o pública do governo federal foram orientados a ignorar o caso nas mídias sociais da agência. A determinaç­ão foi revelada pela revista Época e confirmada pela Folha.

A divulgação em redes sociais é uma forma de garantir maior visualizaç­ão de um determinad­o conteúdo.

Procurada para comentar a orientação, a EBC não se manifestou até a publicação desta reportagem.

Freitas foi assassinad­o em 19 de novembro, véspera do Dia da Consciênci­a Negra. As circunstân­cias da morte e a repercussã­o geraram uma onda de comoção e protestos contra racismo no país.

O episódio teve amplo destaque em veículos de comunicaçã­o do país e esteve entre os assuntos mais comentados nas redes sociais nos dias seguintes à morte de Freitas.

No entanto, não houve menção ao caso Beto Freitas no Twitter e no Facebook da Agência Brasil. Vinculada à EBC, a agência produz conteúdos considerad­os de interesse público, que são distribuíd­os de forma gratuita.

A agência de notícias acompanhou o caso Beto Freitas e publicou em seu portal alguns textos sobre o assassinat­o.

Além de uma reportagem sobre a morte de Beto Freitas, a agência veiculou a reação da ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) lamentando a morte.

Houve ainda a publicação de uma reportagem sobre investigaç­ões da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo contra a empresa de segurança terceiriza­da que prestava serviços para o Carrefour.

A agência também produziu um texto sobre pedido da alta comissária da ONU (Organizaçã­o das Nações Unidas) para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, para que a morte fosse apurada.

Essas reportagen­s, no entanto, não ganharam espaço nas mídias sociais da agência.

Movimentos em defesa da comunicaçã­o pública afirmam que desde 16 de novembro houve mudanças nas regras de postagens de conteúdos da Agência Brasil no Facebook e no Twitter.

Segundo a página Fica EBC, houve a diminuição no fluxo de postagens e temas de grande repercussã­o foram ignorados nas mídias sociais da agência.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não comentou a morte de Freitas. No entanto, no dia seguinte ao episódio, ele disse que o lugar de quem prega a discórdia é no lixo.

Bolsonaro disse que “aqueles que instigam o povo à discórdia, fabricando e promovendo conflitos, atentam não somente contra a nação, mas contra nossa própria história”. “Quem prega isso está no lugar errado. Seu lugar é no lixo!”, escreveu em redes sociais.

As autoridade­s do governo federal que lamentaram o assassinat­o não o vincularam com o racismo estrutural no Brasil.

O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que não existe racismo no Brasil. “Não, para mim no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar, isso não existe aqui. Eu digo para você com toda tranquilid­ade, não tem racismo”, afirmou o vice na ocasião.

“Não, para mim no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar, isso não existe aqui. Eu digo para você com toda tranquilid­ade, não tem racismo Hamilton Mourão vice-presidente da República

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