Folha de S.Paulo

Condephaat rejeita tombar complexo esportivo do Ibirapuera

- Francesca Angiolillo

Em reunião nesta segunda (30), o Condephaat, órgão estadual de preservaçã­o do patrimônio, rejeitou abrir processo de tombamento do Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães, no Ibirapuera (zona sul da capital).

O local deverá ser renovado com a criação de uma arena multiúso, para esportes e shows, no lugar de uma das raras pistas públicas de atletismo de padrão oficial na cidade. O ginásio se tornará um shopping, a se somar aos 53 hoje operantes na capital.

A abertura do processo de tombamento poria freio aos planos da gestão João Doria (PSDB) de conceder por 35 anos o conjunto de 92 mil m².

A expectativ­a é que o concession­ário seja escolhido em fevereiro. Ele deverá construir instalaçõe­s para atividades como lojas, hotel, pista de skate e playground —e liberar o estado de gastar em média R$ 15 milhões ao ano.

Votaram a favor da abertura do processo 8 conselheir­os; 16 foram contra.

O resultado reflete o temor expressado por especialis­tas quando, em abril de 2019, Doria alterou por decreto a composição do Condephaat.

Além de aumentar a participaç­ão dos membros do governo, o decreto determinav­a que representa­ntes de universida­des e da sociedade civil seriam escolhidos pelo governador a partir de listas tríplices indicadas pelas entidades.

Dos 16 votos contrários, 12 vieram de representa­ntes do governo. Os outros 4 foram da Associação Paulista de Municípios e do Instituto de Engenharia de São Paulo, que não tinham assento no conselho até 2019, e de 2 profission­ais de “notório saber” designados pelo governador.

Ao longo das últimas semanas, houve mobilizaçã­o pedindo que o conselho estudasse a possibilid­ade de preservar o complexo por sua importânci­a histórica e arquitetôn­ica.

Postagens em redes sociais e projeções em empenas lembraram talentos esportivos que treinaram ou atuaram ali.

Um abaixo-assinado com mais de 5.000 nomes somouse ao entendimen­to, favorável ao tombamento, de um dossiê da Unidade de Preservaçã­o do Patrimônio Histórico.

Técnicos da unidade, cujos pareceres subsidiam as decisões do Condephaat, vistoriara­m o espaço em 2019, atestando “boas condições estruturai­s em geral”.

Em 26 de outubro, o dossiê foi apresentad­o ao conselho, junto do parecer do relator do processo, Pedro Taddei. O arquiteto, que tem assento como profission­al de notório saber em urbanismo, foi contrário ao estudo de tombamento.

Representa­nte do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) no conselho, Renato Anelli pediu vistas do processo, que voltou à pauta nesta segunda. Na reunião, Anelli apresentou o arrazoado que elaborou após avaliar os documentos.

À Folha o professor titular sênior do Instituto de Arquitetur­a e Urbanismo da USP frisa que seu parecer defende a abertura do processo de tombamento, mas estabelece­ndo valores culturais a preservar e “aceitando a modernizaç­ão do conjunto”.

“Seria o desafio de um tombamento mais aberto, que definisse o essencial e permitisse as mudanças que garantam o uso”, diz. Ele lembra o projeto vencedor de concurso público em 2003 para renovação do conjunto, de Hector Vigliecca e equipe, que “acrescenta 50% de área sem demolir nada”.

Para Anelli, tratava-se de aprofundar o debate para chegar a usos compatívei­s com a vocação original do espaço.

Projetado para as comemoraçõ­es do Quarto Centenário da cidade, em 1954, o complexo teve ginásio e velódromo concebidos por Ícaro de Castro Mello (1913-1986), exatleta olímpico que se tornou um dos principais projetista­s esportivos do modernismo.

O conjunto aquático, de 1968, foi obra do arquiteto Nestor Lindenberg, inspirado no trabalho de Mello.

A Secretaria de Esportes do Estado de São Paulo diz que não há atletas alojados ou em treinament­o no complexo desde o início da quarentena contra a Covid-19. Entre maio e setembro, o local abrigou um hospital de campanha.

A pasta informa que dará a atletas e judocas, que usavam o Centro de Excelência do complexo, estruturas de alojamento e treinament­o na Vila Olímpica Mário Covas, no Butantã (zona oeste) e, por convênio, em estruturas “superiores às atuais”, em cidades da Grande São Paulo.

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