Folha de S.Paulo

Maradona torna esquina de bairro rico local de devoção

Endereço é um dos pontos de peregrinaç­ão ligados ao ídolo em Buenos Aires

- Alex Sabino

Dalma conta que toda vez que entrava em um táxi em Buenos Aires e era reconhecid­a como filha de Diego Maradona, não precisava nem dizer o destino. “Segurola com Habana?”, perguntava o motorista.

Toda a Argentina conhecia o endereço por um simples motivo: o camisa 10 o havia dito na TV, em rede nacional.

Durante jogo do Campeonato Argentino de 1995, ele discutiu com o atacante Toresani, do Colón. Quando soube que o adversário havia dito estar pronto para briga, Maradona o desafiou com frase que se tornou um dos seus clássicos:

“Segurola com Habana, 4310, sétimo piso. Vamos ver se dura 30 segundos comigo”, respondeu. A esquina da avenida Segurola com a rua Habana, em Villa del Parque, um bairro de classe alta a 22 km do centro da capital, virou um dos mais improvávei­s locais de devoção a Maradona após sua morte, na última quarta (25).

Segundo moradores da região, centenas de pessoas vão ao cruzamento todos os dias e fazem a região quase sempre tranquila ter movimento inédito. “Você precisava ver isso no dia em que Diego morreu. Ninguém na vizinhança dormiu por causa da quantidade de gente e do barulho”, disse Florencia Damares, 54, que trabalha em uma das casas do bairro e na tarde de domingo (29) levou um filho para conhecer a esquina.

Os nomes das placas foram substituíd­os. Habana virou Diego, e Segurola foi trocada por Maradona como homenagem feita pela prefeitura. A identifica­ção da região também foi alterada. De 11 passou para 10.

Na entrada do número 4310, prédio de luxo com um apartament­o por andar, há restos de cera, resquícios das velas acesas nos dias anteriores. A reportagem tocou o interfone no “sétimo piso”, onde morava o craque. Ninguém respondeu.

Todos os dias, desde a semana passada, alguns pontos de Buenos Aires se tornaram obrigatóri­os para os fãs que querem homenagear Diego.

Alguns são mais conhecidos, como os estádios Diego Armando Maradona, do Argentinos Juniors, e a Bombonera, do Boca Juniors. Ambos reservaram espaços para que os torcedores depositass­em flores, fotos, camisas e mensagens.

Foi pelo Argentinos que ele começou a carreira profission­al, em 1976. O Boca é seu time do coração, onde teve três passagens distintas e depois passou a ser dono da camarote. Seu jogo de despedida, em 1997, foi na Bombonera.

A cinco quadras do estádio da Paternal [bairro do Argentinos Juniors], onde os jogadores entram em campo por um túnel inflável com o rosto de Maradona, está o número 2257 da rua Lascano. Um lado da porta está enegrecido pelo fogo das velas. A porta da casa não pode ser aberta por causa dos tributos colocados.

O endereço foi o lar do jogador na maior parte dos cinco anos em que esteve no Argentinos. Os visitantes quase sempre tocam a campainha, mas ninguém atende. Desde a morte de Diego, a casa está fechada. Em 2016, o local foi aberto à visitação, mas até a semana passada era parte desconheci­da do turismo da capital.

“Tudo o que se refere a Maradona terá muita procura a partir de agora. Não só pelos turistas mas pelos portenhos também. Muito pouca gente vinha à Paternal para ver coisas ligadas à vida dele. Agora isso vai mudar. Até os carros viraram atrações”, diz Daniella Fernández, funcionári­a do Argentinos Juniors que levou um amigo para conhecer o endereço no último sábado (30).

Ela se refere a dois veículos dos anos 1970 que foram do craque e ficaram estacionad­os diante da residência, sofrendo as intempérie­s do tempo. Parte da pintura está gasta, os pneus murcharam e peças parecem ter sido retiradas. Mas não faltam os que querem tirar fotos ao lado dos carros.

No lado esquerdo da porta, a Prefeitura de Buenos Aires colocou uma placa identifica­ndo aquela como a casa do camisa 10. As homenagens acontecera­m em pontos de outras cidades, como no estádio Marcelo Bielsa, em Rosário, onde Diego atuou pelo Newell’s em 1992 e 1993. Também no campo do Gimnasia, em La Plata, onde era técnico até a morte.

“Se alguém quiser percorrer a história de Diego, tem de começar por aqui. Pena que o campo não existe mais. Se existisse, as pessoas estariam indo lá”, diz Armando Susu, responsáve­l pelo centro cultural de Villa Fiorito, bairro onde Maradona cresceu.

A casa construída por seu pai, hoje em dia abandonada, virou outro local de visitação. Mas o campo de terra batida em que jogava todos os dias e onde foram registrada­s suas primeiras imagens com a bola nos pés foi invadido por prédios, bem mais humildes do que os da Segurola com Habana. máximo. Sempre foi assim”, disse à Folha em 2014.

Quando Diego estreou pelo Newell’s, em 7 de outubro de 1993, em amistoso contra o Emelec (EQU), Messi, então com seis anos, estava na arquibanca­das do estádio Marcelo Bielsa ao lado do pai. O atual craque argentino já reconheceu no passado que o único livro que leu foi “Yo soy el Diego de la gente”, biografia oficial do meia-atacante escrita pelo jornalista Daniel Arcucci.

Quando Lionel fez seu primeiro gol pelo Barcelona, em maio de 2005, no dia seguinte Maradona lhe telefonou. O garoto de 17 anos ficou mudo.

A estreia televisiva de Messi foi en La Noche del Diez (A Noite do Dez), programa que Maradona teve na TV também em 2005. As imagens foram resgatadas nos especiais mostrados na última semana.

Foi Diego, enquanto era técnico da seleção, o primeiro a perceber que Messi deveria assumir papel maior de liderança. Deu-lhe a braçadeira de capitão antes do jogo contra a Grécia, na Copa de 2010.

“Leo ficou a noite inteira apavorado porque teria de dar ao time as últimas palavras de incentivo antes de entrar em campo. Eu lhe disse para falar o que estivesse em seu coração. Ele tropeçou nas palavras e não saiu nada”, recordou o ex-meia Verón, colega de quarto de Messi no torneio.

Maradona dizia que era mais fácil falar com Deus do que fazer Messi atender ao telefone.

A adoração da torcida do Newell’s e da cidade de Rosário a Maradona continuou por anos, apesar de ter feito sete jogos lá, após negociação que incluiu até em quais horários treinaria, e apenas cinco foram oficiais. Fez só um gol.

“Quando Diego chegou, todos os jogadores ficaram admirados. Mesmo os mais brincalhõe­s se tornaram tímidos diante dele. No primeiro treino, fez embaixadin­has, dava um bico para muito alto e fazia de conta esquecer da bola. Quando ela descia, ele dava outro chute e repetia de novo. Ninguém sabia como fazia aquilo”, diz Juan Manuel Llop, meia daquele elenco e hoje treinador.

A torcida não o esquece. Como técnico do Gimnasia em 2019, Maradona foi homenagead­o por quase todas as torcidas. Nenhuma igual a do Newell’s, que levou milhares de pessoas à porta do hotel onde estava Diego e gritou seu nome por horas. “Eu sou Lepra e um dia vou voltar”, disse, citando o apelido do time e fazendo a promessa que não cumprirá.

“Tudo o que se refere a Maradona terá muita procura a partir de agora. Não só pelos turistas mas pelos portenhos também. Até os carros viraram atrações Daniella Fernández funcionári­a do Argentinos Juniors

 ?? Alex Sabino/Folhapress ?? Fãs trocam o nome das ruas Segurola e Habana por Diego e Maradona, no bairro Villa Devoto, em Buenos Aires
Alex Sabino/Folhapress Fãs trocam o nome das ruas Segurola e Habana por Diego e Maradona, no bairro Villa Devoto, em Buenos Aires

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