Folha de S.Paulo

Técnicos bons, jogadores melhores

Exemplos de Debinha na seleção e de Thiago Galhardo no Inter ilustram isso

- Renata Mendonça Jornalista, comenta na Globo e é cofundador­a do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte

O Brasil sempre encantou o mundo produzindo um celeiro de craques que faziam em campo o que ninguém poderia prever. Habilidade e improviso vêm no nosso DNA.

Só que, de uns tempos para cá, a evolução do jogo determinou: só talento já não é mais o bastante. O drible e o improviso são importante­s. Mas hoje, com poucos espaços e muita força física, o futebol precisou ficar mais tático. E o papel do técnico para lapidar e direcionar talentos dentro de um grupo é cada vez mais essencial.

O que melhor pode definir a qualidade de um treinador é sua capacidade de melhorar jogadores, conseguir tirar o máximo de um atleta.

Vou citar dois exemplos recentes em que, claramente, os treinadore­s tiveram papel determinan­te na evolução dos jogadores envolvidos. A atacante Debinha, na seleção brasileira feminina, comandada por Pia Sundhage, e o meia-atacante Thiago Galhardo, sob o comando de Eduardo Coudet no Internacio­nal.

Hoje artilheira da seleção, Debinha não era nem titular antes da Copa do Mundo de 2019. Ela ganhou a chance de começar entre as 11 no Mundial por conta da lesão de Marta, que tirou a camisa 10 da estreia. Acabou sendo um dos maiores destaques do Brasil na Copa jogando pela ponta, mesmo sem ter feito nenhum gol.

Na era Pia, desde agosto de 2019, Debinha virou goleadora. Participou de todos os 12 jogos em que a treinadora esteve no comando e fez nove gols.

Com Pia, Debinha passou a jogar mais perto do gol. Tem liberdade para flutuar no ataque, mas com um diferencia­l: está sempre pisando na área. Foi assim que surgiram as principais oportunida­des que ela não desperdiço­u nesses tempos.

Se antes Debinha pecava na finalizaçã­o e na tomada de decisão, hoje ela se tornou jogadora mais objetiva e passou a contribuir mais defensivam­ente. Com esses ajustes, a camisa 9 tira proveito dos seus dribles e contribui para melhora do jogo coletivo na seleção brasileira.

No caso de Thiago Galhardo, o meia também não era titular nas primeiras formações testadas por Eduardo Coudet no Inter. Foi conquistan­do espaço ao ser a dupla perfeita para o centroavan­te Guerrero, até que o peruano se machucasse. Depois, ele assumiu o protagonis­mo do time, virando artilheiro e líder de assistênci­as —Galhardo chegou a participar de 60% dos gols do Inter no ano.

“O jeito que o Chacho joga facilita muito. Fico mais perto do gol. O time não fica atrás, especuland­o e jogando por uma bola. A gente pressiona, tem intensidad­e e propõe o jogo”, disse em setembro.

Duas coisas sempre me chamaram a atenção em Galhardo: visão de jogo e posicionam­ento. Dos 15 gols que fez no Brasileiro, 5 foram de cabeça, pela inteligênc­ia na hora de se posicionar na área para o cabeceio. Aparece sempre sozinho. Outra coisa que privilegia o estilo de jogo do camisa 17 é ter sempre algum parceiro por perto para poder tabelar e encontrar os espaços. Foi assim com Guerrero, depois com Boschilia e mais recentemen­te com Abel Hernández.

Mas com a saída de Coudet, Abel Braga levou outra forma de jogar para o Inter. Os jogadores não estão tão próximos no ataque. O time não tem aquela marcação forte na saída de bola e, quando perde a posse, não faz pressão para retomá-la ainda no campo ofensivo. Em tão pouco tempo, não deu para se adaptar a esse outro estilo de jogo. Galhardo (e o time) caíram de rendimento.

No Brasil, muito se falou sobre o técnico estilo “paizão” para os jogadores, o “motivador”. Hoje, entendo que esse seja um modelo em extinção. Os resultados serão sempre o termômetro, mas será cada vez mais difícil vencer sem boas ideias que extraiam o melhor dos atletas.

| dom. Juca Kfouri, Tostão | seg. Juca Kfouri, Paulo Vinicius Coelho | ter. Renata Mendonça | qua. Tostão | qui. Juca Kfouri | sex. Paulo Vinicius Coelho | sáb. Katia Rubio

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