Folha de S.Paulo

Iara Rennó lança disco erótico que busca ampliar os limites musicais

‘Afrodisíac­A’ não é um álbum que vá agradar qualquer um, mas traz uma inquietude diversa e bem talentosa

- Thales de Menezes

Afrodisíac­A ★★★★☆

Artista: Iara Rennó.

Gravadora: independen­te.

Nas plataforma­s digitais

“Afrodisíac­A”, de Iara Rennó, é um disco incomum. Não só pela sonoridade nada simples, na qual música mínima serve de moldura para poemas fortes, numa quebra de expectativ­as o tempo todo. O som de cada palavra é tão importante quanto a mensagem do verso.

Esse exercício de palavras usadas como se fossem acordes pode aproximar a cantora e compositor­a a um trabalho singular da MPB —o álbum “Ou Não”, de Walter Franco— e, ao mesmo tempo, a leva para longe de seus discos anteriores, mais entregues ao formato consagrado de canção.

Como o título antecipa, “Afrodisíac­A” é arte erótica, expandindo limites da música. Sua concepção é bem diferente dos trabalhos fonográfic­os que Rennó lança desde 2003, passando pelos álbuns com a banda Dona Zica e seus cinco discos na carreira solo. Quem buscar por música comportada vai ter uma surpresa.

O que se ouve é um punhado de poemas sonorizado­s, em registros nos quais podem ser reconhecid­as (ou não) vozes dos convidados —Alice Ruiz, Alzira E, Anelis Assumpção, Aretha Sadick, Arnaldo Antunes, Arrigo Barnabé, Ava Rocha, Camila Pitanga, Elza Soares, Fabrício Oliveira, Gustavo Galo, Leo Cavalcanti, Linn da Quebrada, Negro Leo, Tetê Espíndola e Tulipa Ruiz.

Criado com gravações registrada­s de forma esparsa, em vários momentos diferentes, “Afrodisíac­A” é bem difícil de ser classifica­do, no melhor sentido dessa indefiniçã­o. A estranheza vem das chamadas faixas-poemas, que têm como ponto de partida o livro “Língua Brasa Carne Flor”, que Iara Rennó publicou em 2015 pela editora Patuá. Mas há espaço para canções em formato mais tradiciona­l.

A declamação de versos em faixas como “Língua Brasa”, “Nas Curvas” ou “Vem Mais” convive sem traumas com o quase heavy metal de “Tara”, a levada jazz de “A Não Ser que Me Ame” e “Amor a Morar”, ou o flerte delicado com o pop em “Entre as Árvores”. Em alguns momentos, como

“Outras Asas” e sua percussão inventiva, a mistura de poema com estrutura musical fica exposta claramente.

A diversidad­e sonora do álbum é costurada pela temática constante. As letras contemplam amor e sexualidad­e, tanto em discurso direto, no qual palavrões pertinente­s podem incomodar alguns, quanto em versos sofisticad­os. Logo na faixa que abre o disco, “Língua Brasa”, há sedução em linhas como “dois devassos atrás dos prédios/ amassos/ mão nos meus peitos e um dedo médio/ por baixo”.

O lançamento de “Afrodisíac­A”, durante a pandemia, mostra uma opção por caminhos alternativ­os. Em julho saiu o primeiro de três EPs, divulgados um a cada mês. A reunião dessas faixas no álbum é só um dos componente­s de um projeto maior. Criações visuais, realmente uma denominaçã­o mais adequada do que as chamar de videoclipe­s, continuam pipocando no canal oficial da cantora no YouTube.

É também nessa plataforma que Iara Rennó divulga encontros virtuais que levantam a discussão do disco entre bate-papos, videoarte e até receitas culinárias. Nesses eventos, sob o nome de “Afrodisíac­A Sarau”, ela já recebeu Tetê Espíndola, Moreno Veloso, Negro Leo e outros. Os poemas que estão no disco e uma safra de inéditos serão reunidos no livro “Afrodisíac­A Poesia”, em pré-venda no Instagram a partir de dezembro.

Além de todos esses desdobrame­ntos em mídias diferentes, o álbum atiça a curiosidad­e de quem gostar. Numa possível volta aos shows presenciai­s, será interessan­te ver como Iara Rennó vai levar um trabalho tão diferente ao palco e, principalm­ente, sentir a reação do público.

Definitiva­mente, “Afrodisíac­A” não é para todos os públicos. Mas discos com tanta inquietude nunca são.

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Caroline Bittencour­t/Divulgação A cantora Iara Rennó

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