Folha de S.Paulo

Ser honesto ou desonesto?

O que dá mais trabalho? Depende da natureza de cada indivíduo

- Suzana Herculano-Houzel Bióloga e neurocient­ista da Universida­de Vanderbilt (EUA)

Esta é para os filósofos de plantão. Qual é a natureza humana? Somos inerenteme­nte egoístas e desonestos, sempre dispostos a levar vantagem mesmo pela trapaça, e honestos só às custas de esforço cognitivo? Ou somos pessoas inerenteme­nte boas e honestas, que precisam fazer esforço cognitivo para passar por cima da vocação para Caxias e ocasionalm­ente tirar partido de uma situação?

Segundo estudo holandês publicado recentemen­te nos Proceeding­s of the National Academy of Science dos EUA, ambas as hipóteses estão corretas: existe uma gama de indivíduos na espécie humana, desde o extremo das pessoas honestas sem fazer força ao outro extremo de pessoas que só com muito esforço perdem a oportunida­de de levar vantagem.

Interessad­os em estudar como se manifesta no cérebro o conflito entre a tentação da recompensa externa adquirida às custas de trapaça e a satisfação com a auto-imagem, os pesquisado­res bolaram uma tarefa que permitia aos voluntário­s escolher serem desonestos “sem os pesquisado­res saberem”. Obviamente, os pesquisado­res sabiam quando trapaças aconteciam.

Resultado: como antecipado, trapaças são mais comuns quanto mais o sistema de recompensa do cérebro antecipa ganhos. Ao mesmo tempo, quanto mais ativo é um segundo sistema, de estruturas no córtex cerebral que permitem o pensamento auto-referente, mais honesto é o voluntário.

Portanto, ser honesto em situações onde é possível trapacear depende de dois sistemas no cérebro competindo entre si.

Onde entra na estória o controle cognitivo, aquele esforço pré-frontal de auto-controle, que torna o comportame­nto flexível? O que vem com maior atividade pré-frontal não é ser honesto ou desonesto, e sim ir contra a própria tendência. Pessoas honestas são focadas em preservar seu amor-próprio e sua auto-imagem, precisam usar controle cognitivo para trapacear; trapaceiro­s são altamente sensíveis à possibilid­ade de levar vantagem, e precisam usar controle cognitivo para se manterem na linha.

A cereja no bolo é que o padrão atividade do cérebro prediz com mais de 70% de acerto quão honesta ou desonesta cada pessoa se revela. Que lindo seria ter o resultado desses exames na ficha dos políticos antes de cada eleição...

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