Folha de S.Paulo

Vou fazer mais política do que fiz nos outros mandatos. [...] Não vou rivalizar com o Bolsonaro

Eduardo Paes prefeito eleito do Rio (DEM), em entrevista

- Italo Nogueira

rio de janeiro O prefeito eleito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM), quer ter uma atuação político-partidária maior do que teve em outros momentos da carreira.

À Folha nesta segunda-feira (30) defendeu que a sigla apoie um “quadro da política” para a Presidênci­a em 2022. Ao mesmo tempo, elogia o apresentad­or Luciano Huck, que tem conversado com o DEM, mas indica resistênci­a ao ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro.

Apresenta-se também como defensor da ampliação de negros e mulheres na sigla, bem como em seu próprio secretaria­do —até o momento, anunciou três brancos. Mas a atuação política tem um limite: a gestão de Jair Bolsonaro: “Não vou rivalizar com o ele”.

Apesar dos constantes atritos entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), seu fiel aliado, Paes evita apontar o presidente da República como um dos radicais derrotados que descreveu em sua fala de vitória.

“Eu já falei com ele hoje. Foi muito gentil comigo.”

Por sua vez, comparou o perfil dos derrotados com o governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), e a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). “Essa coisa do novato não dá certo. Não conhece a realidade das pessoas, nunca pediu voto. Tem um certo grau de arrogância”, disse.

O sr. disse que o resultado da eleição era um sinal contra o radicalism­o. Quem está radicaliza­ndo no país?

Não vou ficar dando nomes e adjetivand­o. A partir de 2013, vivemos um cenário de muito ódio, de pouco diálogo, que fez mal. Essa coisa do novato, do sujeito que vem de outra atividade e de repente vira governante, não dá certo. Não conhece a realidade das pessoas, nunca pediu voto. Tem certo grau de arrogância.

O Witzel talvez seja o que mais represente isso. De certa forma, o próprio perfil da Dilma, de ter dificuldad­e de dialogar com diversos atores. Tinha uma vida política, mas nunca tinha disputado eleição.

O discurso foi lido como um recado a Bolsonaro.

Não tive intenção de dar recado para ninguém. Fiz uma constataçã­o das eleições do país.

O sr. o vê como radical?

Eu já falei com ele hoje. Foi muito gentil comigo e tenho certeza que vamos ter muito diálogo.

Como foi a conversa?

Foi boa, rápida. Obviamente fiz uma brincadeir­a. Falei: “Não consegui te livrar do Witzel, mas te livrei do Crivella”. Ele disse: “Passa aqui, toma um café comigo”. Vou com prazer.

Que papel o DEM vai ter em 2022, e qual será o seu?

Vou fazer mais política do que fiz nos outros mandatos. Temos duas figuras do DEM que são o presidente [da Câmara] Rodrigo Maia e o presidente [do DEM] ACM Neto. Mas vou palpitar e ajudar. Quero atuar mais aqui. Se o [governador interino] Cláudio Castro for bem, talvez apoiar [a reeleição]. O Rio precisa sair desse lamaçal em que se enfiou.

O sr. diz que quer participar mais da vida partidária, mas Bolsonaro tem se mostrado pouco receptivo apessoas com planos diferentes do dele, como [os governador­es] João Doria (PSDB-SP) e Flávio Dino (PC do B-MA). Pode afetar sua relação com ele?

Não vou rivalizar com o Bolsonaro.

Mas ele pode rivalizar com o sr.

Não vai. Sou prefeito da cidade dele. Ele vai querer ajudar a cidade dele.

Que cara o DEM deve ter para 2022?

Há articulaçã­o com Huck, Moro, do outro lado Ciro [Gomes]… Tem que ter um caminho próprio com quadros da política, com capacidade de se articular e dialogar.

Um nome da política exclui Huck e Moro?

Huck é um cara de muito diálogo. Faz da vida dele relações públicas, que é um pouco a coisa da política. Isso de ajudar as pessoas permite a ele conhecer um pouco a realidade do país. Moro é juiz. Uma vez juiz, sempre juiz.

Uma aproximaçã­o com o PDT está distante?

O PDT perdeu duas oportunida­des aqui no Rio para sinalizar uma aliança. Em 2018 lançaram o Pedro Fernandes e agora a Martha [Rocha]. O PDT, pelo histórico que tínhamos, poderia ter caminhado junto. Até simpatizo com o Ciro, me dou bem com ele. Mas não vejo sinais de um partido que queira aliança.

O sr. por muito tempo teve aliança com partidos de esquerda, como o PT. Como viu esse mau resultado dele?

Houve uma vitória do centro político, de equilíbrio e diálogo. A esquerda ficou por muito tempo no poder. Mas continuo tendo ótimo diálogo com o PT e o PC do B. Nessas duas últimas eleições, se abriu uma porta de diálogo com o PSOL. São oposição, mas têm uma linha de diálogo.

Após duas derrotas, o sr. vê essa vitória como um recomeço?

Não é um recomeço. Eu não saí da política. Só tive que me sustentar.

Recomeço porque o sr. chegou a ter o nome cogitado para a Presidênci­a e hoje…

Política é assim. Só quem não conhece esse negócio que se deprime ou se anima demais. A política é feita de altos e baixos. Tem que ser resiliente.

O sr. vai assumir o mandato numa situação jurídica mais delicada, réu [por corrupção] em duas ações penais. Por que acha que a operação policial na véspera da campanha não o afetou politicame­nte?

Não sei se não afetou. Talvez eu ganhasse no primeiro turno. Todos na vida pública temos que responder pelos nossos atos. Mas as pessoas começaram a perceber que algumas dessas operações tinham certo viés político. Por que vai fazer uma busca e apreensão na minha casa por um fato que supostamen­te ocorreu em 2012? Não faz muito sentido. Não estou contestand­o o trabalho que o Ministério Público e a Justiça têm que desenvolve­r. Mas não podemos perder a credibilid­ade do sistema judicial. As pessoas começaram a perceber isso, e é muito ruim.

Estou nomeando um secretário de Saúde [Daniel Soranz] que tem uma ação de improbidad­e porque é impossível um cara passar mais que três dias num cargo do Executivo e não ter uma ação de improbidad­e.

Uma ação penal tem gravidade maior.

Sem dúvida. Já fui réu em ação penal. Fui absolvido em duas. Uma por incentivo a boca de urna, e o cara [promotor] queria fazer transação penal, que eu marcasse ponto em Queimados [na Baixada Fluminense] a cada 15 dias. Claro que é desconfort­ável.

O sr. ressalta o fato de os delatores dizerem que o sr. não pediu propina. Mas eles também dizem que o sr. recebeu caixa dois. Por que eles [supostamen­te] falam a verdade num caso e mentem no outro?

Não fiz caixa dois nas minhas campanhas. E a minha sensação com esses caras é que nem eles sabem que campanhas ajudaram. Parece que o controle era meio frágil.

No fim da campanha o Crivel la disseque osr.s eráp reso.

A gente não estava na rua. Se fosse na rua, eu e ele, levava um murro na cara. Falou no debate. Entendi como desespero.

O sr. diz que quer fazer um governo antirracis­ta. Como será?

É ter negros no primeiro escalão. O preconceit­o está muito enraizado, e o antirracis­mo chama a nossa atenção para aquilo que a gente nem percebe. Se olhar os meus primeiros governos, não tive negros no meu primeiro escalão. Não fui antirracis­ta. Agora tenho que ser afirmativo.

O DEM também precisa ampliar esse espaço?

Acho que sim, temos que aumentar a participaç­ão de negros e mulheres. Até por essa minha convivênci­a com partidos de esquerda, aprendi muito isso.

“Todos na vida pública temos que responder pelos nossos atos. Mas as pessoas começaram a perceber que algumas dessas operações [policiais] tinham certo viés político

Rodrigo Maia deve ser reeleito para a Câmara?

É uma necessidad­e para o Brasil. Nesses tempos confusos, ele tem se mostrado uma espécie de senhor do equilíbrio.

Mas tem sofrido com Bolsonaro e seus filhos.

Quem disse que ele não deve ter sofrido com Michel Temer também? O papel de protagonis­mo traz alegrias e problemas.

O nível é outro de ataque.

Enfim...

 ?? José Lucena/Folhapress ??
José Lucena/Folhapress

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