Folha de S.Paulo

Riscos em trilhões

Escalada de ações judiciais contra a União ameaça as contas públicas e demanda reforma tributária

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O acelerado aumento da dívida pública federal para R$ 4,6 trilhões até outubro —um salto de 9,2% em relação ao final de 2019— já denota inseguranç­a sobre a capacidade de financiame­nto do governo, mas as ameaças às contas públicas não se limitam ao desequilíb­rio já estimado no Orçamento federal.

O relatório de riscos fiscais recém-divulgado pelo Tesouro Nacional aponta eventos, como propostas em tramitação no Congresso e processos em análise no Judiciário, que podem resultar em despesas adicionais de R$ 4,8 trilhões.

Nesse montante se destaca a escalada de ações judiciais contra a União —que já somam R$ 2,4 trilhões, dos quais cerca de R$ 800 bilhões considerad­os como perdas prováveis para o erário.

A principal fonte de cresciment­o dos passivos são as ações de natureza tributária. As derrotas na Justiça têm levado ao cresciment­o dos gastos com os chamados precatório­s, que passaram de R$ 19,8 bilhões em 2014 pra R$ 54 bilhões estimados no Orçamento deste ano.

Esses desembolso­s são classifica­dos como despesa primária (não financeira) e estão, assim, sujeitos ao teto geral inscrito na Constituiç­ão. Trata-se, pois, de mais um fator a reduzir o espaço disponível para os pagamentos essenciais de custeio e investimen­to, asfixiando a gestão da máquina pública.

Mais detalhadam­ente, o relatório aponta que 74% dos riscos judiciais de natureza tributária decorrem de demandas relacionad­as ao PIS e à Cofins, contribuiç­ões federais que incidem sobre o faturament­o das empresas. Sua legislação intrincada, assim como a do ICMS estadual, constitui a principal fonte de controvérs­ia com o fisco.

O problema piorou recentemen­te com a conclusão de julgamento no Supremo Tribunal Federal que considerou ilegal a inclusão do ICMS na base de cálculo para o recolhimen­to do PIS e da Cofins.

Embora acertada no mérito, e com modulação ainda pendente, a decisão do STF traz enorme incerteza para a arrecadaçã­o de impostos, pois abre precedente contra a prática recorrente nas regras brasileira­s de incidência em cascata dos muitos tributos. Tudo sugere que nesse ambiente o passivo da União só aumentará adiante.

Já havia urgência de uma reforma tributária para simplifica­r drasticame­nte as regras da tributação indireta no país, com foco na redução de custos e estímulo à produtivid­ade. A crescente inseguranç­a jurídica e orçamentár­ia é mais um motivo para que o Congresso Nacional finalmente trate do tema.

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