Folha de S.Paulo

Para ex-tucano e ex-bolsonaris­ta Graziano, presidente cometeu um suicídio político

- Fábio Zanini O Fracasso da Democracia no Brasil Autor: Xico Graziano. Editora Almedina (174 págs.); Preço: R$ 34,50

são paulo Ex-secretário particular de Fernando Henrique Cardoso na Presidênci­a, fundador do PSDB e nome ligado por décadas à social-democracia, Xico Graziano, 67, chocou muitos de seus amigos ao fazer uma opção clara por Jair Bolsonaro na eleição de 2018. E já no primeiro turno.

Ligado ao agronegóci­o, Graziano deu um novo cavalo de pau no início deste ano quando rompeu com seu neoaliado. Passou a criticar duramente o presidente, mas não voltou ao ninho tucano. Diz estar desiludido com a política.

Essa trajetória é descrita por ele num livro recém-lançado, com o mais do que pessimista título “O Fracasso da Democracia no Brasil” (editora Almedina). Dizer que é um lamento seria pouco: é um verdadeiro desabafo do ex-tucano e ex-bolsonaris­ta.

Logo na orelha do livro, Graziano justifica o voto em Bolsonaro com um argumento frequentem­ente usado por quem apoiou o capitão: o mais importante era evitar a volta do PT.

“Não estou arrependid­o de minha decisão [de votar em Bolsonaro em 2018]. Encontro-me, isso sim, profundame­nte decepciona­do. Nada do que eu imaginava, do restabelec­imento da moral política, do retorno ao caminho do desenvolvi­mento, aconteceu”, escreve ele. A democracia brasileira, afirma Graziano, vive “num beco sem saída”.

São vários os motivos de sua decepção, como mostra na publicação, mas dois se sobressaem: a falta de sensibilid­ade

e competênci­a de Bolsonaro na condução da pandemia e o fato de o presidente se aliar à velha política, resumido na aproximaçã­o com o “centrão”.

“Como podemos ter escolhido um presidente da República tão insensível, quase desumano?”, pergunta ele. E logo depois questiona: “Por que Jair Bolsonaro, eleito para exatamente enfrentar essa picaretage­m da política nacional, curvou-se ao centrão?”.

Graziano tem uma trajetória comum entre pessoas que foram atraídas pelo discurso de Bolsonaro. A base de apoio ao capitão está cheia de exesquerdi­stas e ex-centristas que deram ouvidos a sua promessa de restaurar uma certa moralidade perdida nos

anos petistas.

O autor diz que votou no presidente como uma espécie de último recurso contra o desencanto com a política. “Nenhuma grande ilusão me moveu para apoiar Bolsonaro. Ao contrário, foi a desilusão política que me empurrou para sua candidatur­a.”

Na juventude, auge da ditadura militar, ele flertou com o comunismo, como era comum na época.

“Quase todos nós que lutamos pela redemocrat­ização do país professáva­mos a fé socialista, mesmo sem saber ao certo o que significav­a tal sistema, implantado na União Soviética”, conta no livro.

Mais velho, ele aproximous­e da ala “ética” do PMDB, representa­da pelo então governador de São Paulo, Franco Montoro, e pelos senadores FHC e Mario Covas. O trio foi o embrião da criação do PSDB, em 1988. Graziano rapidament­e se tornou um “fernandist­a”, e foi chamado para ser chefe de gabinete de seu mentor na Presidênci­a.

Depois foi para a presidênci­a do Incra, com a tarefa de acelerar o processo de reforma agrária. Ficou pouco tempo, até ser acusado em 1995 de envolvimen­to no escândalo de grampos do caso Sivam, Sistema de Vigilância da Amazônia.

Desta breve experiênci­a ele conta uma das melhores anedotas do livro, que contribuír­am para sua progressiv­a dedos cepção com a política.

“Teve um dia que, mesmo contrarian­do a opinião dos articulado­res do Palácio, eu demiti o superinten­dente do Incra em Minas Gerais, ligado ao pessoal do PFL, por suspeita de envolvimen­to em desvio de dinheiro público. À noite, levei um pito enorme de Eduardo Jorge, secretário-geral da Presidênci­a: o governo havia sido derrotado em votações importante­s do Congresso.”

Foi depois deputado federal por seis anos e secretário de estado em São Paulo em duas oportunida­des. Essa vivência lhe dá autoridade para decretar que seu antigo partido se perdeu nos métodos condenávei­s da política.

“O PSDB não escapou da desgraça que destruiu a democracia no Brasil. Passados uns anos de euforia e inocência, o partido também começou a chafurdar na corrupção e a praticar o fisiologis­mo”, diz.

Um dos poucos que ele poupa é justamente FHC, a quem culpa apenas por ter aprovado a reeleição. “Foi seu maior erro”, escreve.

Em 2014, Graziano deu seu último voto de confiança ao antigo partido, ao aceitar participar da coordenaçã­o digital da campanha de Aécio Neves à Presidênci­a. Diz que brigou por não querer entrar no jogo sujo capitanead­o pela irmã do candidato, Andrea.

“O desespero de Andrea era enorme. Ela queria retrucar os ataques da campanha de Dilma [Rousseff ] com a mesma moeda, ou seja, criando uma rede da maldade, fabricando fakes, disparando bots. Briguei com ela e por tabela com ele [Aécio] por isso. Resultado: perdi a coordenaçã­o digital. Entraram com tudo no jogo sujo da internet do mal”, escreve.

Graziano admite que não esperava de Bolsonaro um estilo muito diferente do que ele apresentav­a antes de virar presidente da República. “Todo mundo conhecia o Bolsonaro, ninguém tem o direito de dizer que não”, afirma.

No entanto ele se revela espantado com a falta de tato político do presidente, que arruma inimigos em todo lugar. Com relação ao agronegóci­o, suas bravatas contra a China põem em risco um setor que hoje é um dos motores da economia.

Da mesma forma, Graziano considera uma burrice antagoniza­r o meio ambiente, hoje um tema fundamenta­l na produção agrícola. “Quando Bolsonaro ataca o meio ambiente, ataca o agro moderno”, diz.

Num segundo turno em 2022 que novamente colocasse frente a frente Bolsonaro e um candidato de esquerda, ele diz que nem nulo votaria. Simplesmen­te pretende não comparecer à urna.

Quem poderia eventualme­nte fazê-lo se animar com a política novamente é o ex-ministro da Justiça Sergio Moro, especialme­nte se fizer uma dobradinha com o apresentad­or Luciano Huck. “Mas é preciso ver qual vai ser a trajetória deles daqui até a eleição”, ressalva.

Sem muitas esperanças com a política, ele diz que a eleição municipal, com seus altos índices de abstenção e campanha desanimada, prova seu ponto de que a democracia brasileira está irremediav­elmente corrompida.

“Quem ganhou a eleição foi o não voto, o que reafirma o fracasso da democracia no Brasil. E ainda dizem que é a festa da democracia… Parem de se enganar.”

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Lucio Távora - 26.nov.20/Xinhua O presidente Jair Bolsonaro em cerimônia no Palácio do Planalto

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