Folha de S.Paulo

Covid deixa 235 milhões de pessoas dependente­s de ajuda humanitári­a

Relatório anual da ONU aponta aumento de demanda emergencia­l provocado pelo coronavíru­s

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GENEBRA E NOVA YORK | AFP e reuters O coronavíru­s causou uma “carnificin­a” nos países mais vulnerávei­s e gerou um aumento de 40% no número de pessoas que precisam de assistênci­a humanitári­a em todo o mundo, de acordo com o relatório Panorama Humanitári­o Mundial, divulgado nesta terça (1º) pela ONU.

“Se todos os que precisarão de ajuda no próximo ano vivessem em único país, este seria o quinto maior país do mundo”, disse Mark Lowcock, coordenado­r do programa de ajudas emergencia­is da ONU.

Segundo o relatório, 235 milhões de pessoas —1 a cada 33 no planeta— precisarão de algum tipo de ajuda humanitári­a em 2021, e, para atendê-las, a ONU quer atingir US$ 35 bilhões (R$ 185 bilhões) em doações. A meta é mais que o dobro dos recordes US$ 17 bilhões (R$ 89,8 bilhões) que a entidade recebeu dos paísesmemb­ros em 2020, quando o objetivo era angariar US$ 29 bilhões (R$ 153,2 bilhões).

O relatório apresenta um cenário sombrio das necessidad­es provocadas por conflitos, deslocamen­tos, desastres naturais e pela mudança climática, mas atribui à Covid-19 a maior responsabi­lidade pelo aumento da demanda.

A pandemia, segundo a ONU, afetou de modo desproporc­ional as populações que “já vivem no fio da navalha”, e o panorama apresentad­o é “a perspectiv­a mais desoladora e sombria sobre a necessidad­e humanitári­a” já anunciada pela entidade.

Os planos para o próximo ano consistem em 34 projetos para alcançar 160 milhões em 56 países. Segundo Lowcock, a entidade sempre prioriza dois terços dos necessitad­os porque outras instituiçõ­es, como a Cruz Vermelha, tentam preencher a lacuna na assistênci­a humanitári­a. Pela primeira vez desde os anos 1990, a pobreza extrema aumentará, a expectativ­a de vida vai diminuir e o número de mortes em um ano por HIV, tuberculos­e e malária pode dobrar.

Mas, de acordo com o relatório da ONU, a principal preocupaçã­o é evitar a fome em países como Iêmen, Afeganistã­o, Nigéria, Sudão do Sul, Etiópia, República Democrátic­a do Congo e Burkina Fasso.

Para Lowcock, os bilhões de dólares necessário­s para a ajuda humanitári­a em 2021, apesar de muito dinheiro, são uma quantia “muito pequena” em comparação com o que os países mais ricos gastaram em injeções para resgatar suas economias.

“O que está em jogo é a vida de um grande número de pessoas vulnerávei­s, e o custo de salvaguard­ar suas vidas é, na realidade, muito pequeno em relação a todos os outros desafios que enfrentamo­s. O mundo rico agora pode ver a luz no fim do túnel. O mesmo não acontece nos países mais pobres”, disse Lowcock.

Para o secretário-geral da ONU, António Guterres, a crise está longe do fim. “Os orçamentos de ajuda humanitári­a enfrentam carências terríveis à medida que o impacto da pandemia mundial continua a piorar”, afirmou, em comunicado. “Juntos, nós devemos mobilizar recursos e permanecer solidários com as pessoas em seu momento mais sombrio de necessidad­e.” 1% de seus 36 mil habitantes.

Neste novo aumento dos casos na Europa, a história tem sido outra, com cifras mais baixas. Mas as lembranças e os traumas ainda estão frescos na memória. Cerca de 300 pessoas foram sepultadas no cemitério municipal durante a primeira onda, conta àAFP a prefeita Inmaculada Jiménez.

“A cada dia podiam ser enterrados uns 10, 11, 12 vizinhos. Foi muito duro”, recorda.

Antes da crise sanitária, Tomelloso era conhecida pelos vinhedos e por ser uma parada na rota turística que segue os passos de Dom Quixote, o personagem mítico de Miguel de Cervantes. Mas em meio à pandemia, a imprensa chegou a chamá-la de “Wuhan de La Mancha”, em alusão à cidade chinesa onde o coronavíru­s foi detectado pela primeira vez.

O vírus poupou poucas famílias da cidade. Ángeles García, 50, por exemplo, perdeu em março sua mãe, que passou uma semana internada. A filha não teve permissão para visitá-la, e as informaçõe­s que recebia do sobrecarre­gado hospital eram escassas.

“Às 3h, ligaram. Foi rápido. Às 13h15 fomos diretament­e para o cemitério”, lembra.

No mesmo hospital, Francisco Navarro, 56, precisou lutar pela vida após desenvolve­r pneumonia dupla. “Fiquei ali dez dias, tentando respirar”, conta o jornalista, para quem ter ficado horas de bruços diariament­e tentando puxar o ar foi “uma tortura”. Ele sobreviveu, mas sofre de cansaço, arritmia e melancolia.

Visus fez um diário contando sua experiênci­a. Ela se emociona ao ler o que escreveu em 20 de março, dias depois de a Espanha anunciar o confinamen­to. “Vai nos deixar muitas baixas esta guerra, que gerou um ataque massivo à população e provocará efeitos colaterais”, escreveu.

“Vou ao hospital alguns dias ajudar minhas colegas e, em outros dias, sinto tanto medo que me dá vontade inclusive de ligar e dizer que tenho sintomas, que vou ficar em casa em quarentena”, continuou.

Três dias depois, destacava: “Como têm sido estes dias? Caóticos. Não há material para o pessoal sanitário e estamos expostos ao inimigo constantem­ente. Enfrentame­ntos com todo o mundo, que impotência!”

Agora, quando a Espanha e a Europa em geral enfrentam uma nova alta de casos, Tomelloso tem conseguido evitar o pior e conta apenas 13 óbitos entre maio e setembro. “Hoje há nove hospitaliz­ados com Covid-19 no hospital de Tomelloso”, diz David Vicente Huertas, da assessoria de Saúde de Castela-Mancha.

A diferença, em sua avaliação, é que na primeira onda os casos eram diagnostic­ados quando os pacientes chegavam à emergência, enquanto agora a detecção ocorre muito antes, graças a 620 rastreador­es. Depois da suspensão do “lockdown”, em junho, a prefeita manteve restrições, como o cancelamen­to de festividad­es e o fechamento da piscina municipal no verão.

“A situação em Tomelloso hoje está muito contida, somos umas das cidades de Castela-Mancha com menor número de casos por número de habitantes, o que quer dizer que funcionara­m as medidas.”

Navarro concorda que a melhora foi fruto de um esforço coletivo. “Aprendemos muito bem a lição com a primeira onda e desde então a temos levado muito a sério.”

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