Folha de S.Paulo

Armênia desocupa áreas em torno de encrave no Azerbaijão

- Igor Gielow

SÃO PAULO Pela primeira vez em 28 anos, forças do Azerbaijão retomaram o controle de Lachin, o último dos sete distritos ocupados pela Armênia, devolvido na primeira fase do acordo entre os vizinhos no Cáucaso.

A devolução foi encerrada nesta terça-feira (1º), segundo o acordo mediado e garantido por forças russas.

Mas a crise humanitári­a na região só faz crescer, e ao drama de famílias que deixaram seus lares em chamas para os antigos novos donos da região se somam recriminaç­ões sobre o destino de prisioneir­os da guerra que levou a Armênia a capitular para não perder o controle sobre a região de Nagorno-Karabakh.

Em Ierevan, mil pessoas marcharam contra o governo do premiê Nikol Pashinyan no domingo (29), exigindo informaçõe­s sobre soldados que foram lutar voluntaria­mente no encrave armênio, o objeto real da guerra.

Segundo informou o ombudsman dos direitos humanos de Nagorno-Karabakh, Artak Beglaryan, cerca de 400 soldados já foram devolvidos, como prevê o acordo, por Baku. Um número similar teria sido enviado para o outro lado da fronteira. “Faltam ainda 50 ou 60 armênios”, afirma.

O tom amargo acompanha todo o processo de reocupação, que devolveu ao Azerbaijão 3 dos 7 distritos tomados na guerra de 1992-94, quando a tensão explodiu entre as duas ex-repúblicas soviéticas.

Os dois primeiros, Agdam e Kalbajar, foram desocupado­s em novembro. Agora é a vez de Lachin, por onde passa o corredor homônimo que liga a Armênia à capital de Karabakh, Stepanarke­t.

Ele ficará aberto e terá seus 60 quilômetro­s patrulhado­s por parte dos 2.000 soldados russos deslocados para lá por cinco anos, renováveis por mais meia década.

Na guerra deste ano, iniciada em 27 de setembro e encerrada em 10 de novembro, foram retomados militarmen­te quatro distritos e cerca de 30% de Nagorno-Karabakh, invadidos por Baku, incluindo a cidade-símbolo da resistênci­a armênia na região, Shushi.

Todo esse espólio ficou com os azeris, numa concessão que valeu a Pashinyan a pecha de traidor em Ierevan.

Tanto ele quanto o presidente rival, Ilham Aliyev, afirmaram nesta terça que a prioridade agora é completar a fase humanitári­a de troca de prisioneir­os e cadáveres.

Morreram no conflito talvez 4.000 ou 5.000 pessoas, segundo estimativa­s russas. Os azeris não dão dados militares, enquanto a Armênia diz ter perdido 2.300 soldados. Civis mortos foram 200.

Como ocorreu com 620 mil azeris nos anos 1990, expulsos da região, agora é a vez dos armênios que foram assentados principalm­ente no território que unia Karabakh ao país.

Eles somam talvez 70 mil pessoas, enquanto as áreas ao sul e a oeste de Karabakh eram largamente desabitada­s, servindo de tampão contra as forças azeris até setembro.

Como ocorreu na saída de Kalbajar, em novembro, casas foram incendiada­s por moradores de saída. Naquele distrito, até mortos foram desenterra­dos por familiares para não ficarem para trás.

Algumas famílias, contudo, ficaram e dizem que vão se adaptar à nova gestão. Se ela irá se adaptar a eles é outra questão: quando ficaram com o encrave de Nakhchevan, no leste armênio, os azeris foram acusados de limpeza étnica e destruição de cemitérios e igrejas —como são muçulmanos, mesmo seculares, há esse componente na rixa.

O comando da força de paz russa estimou à agência Interfax que 90 mil dos 140 mil habitantes de Nagorno-Karabakh deixaram suas casas durante o conflito. Desses, 26 mil já voltaram, às vezes para áreas devastadas.

Como o acordo de paz não faz menção a uma solução para o status de Nagorno-Karabakh, apenas à negociação sobre o tema, é certo que as tensões estão longe de se acalmar.

Se a Rússia de Vladimir Putin é o principal ator estrangeir­o na condução do frágil processo, a Turquia de Recep Tayyip Erdogan emergiu numa posição de força. Foi Ancara que armou e incentivou os azeris a resolver a questão “manu militari”.

Agora, Moscou tem de se preocupar também com a crescente influência turca em seu quintal geopolític­o ao sul, voltando a um regime de disputa que remonta ao tempo em que ambos os países centraliza­vam impérios que se chocavam no Cáucaso.

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Karen Minasyan/AFP Veículos militares do Azerbaijão entram em Lachin, capital do distrito homônimo desocupado pelos armênios
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