Folha de S.Paulo

A ameaça dos gastos públicos

Ou autoridade­s agem agora ou a conta chega em 2021

- Helio Beltrão Engenheiro com especializ­ação em finanças e MBA na Universida­de Columbia, é presidente do Instituto Mises Brasil

A nomenclatu­ra das emendas constituci­onais da década de 2020 é reveladora: “teto”, “guerra” e “emergência”. O Brasil míngua: é agora apenas a 12ª economia do mundo. O PIB em moeda forte deve cair 28% neste ano. Fomos ultrapassa­dos pelo Canadá, pela Rússia e pela Coreia do Sul, que possuem populações muito menores.

Não se pode atribuir nosso declínio à Covid, que afetou o mundo todo. A culpa é exclusivam­ente nossa. Mais propriamen­te, de nossos formadores de políticas públicas, que preferem empurrar a realidade com a barriga a endereçar o entrave central ao desenvolvi­mento: gastos públicos fora de controle.

Governos de países emergentes responsáve­is contêm gastos em anos de normalidad­e para enfrentar inevitávei­s crises futuras. O Chile, por exemplo, iniciou 2020 com dívida de 30% do PIB. Do lado de cá dos Andes, a pandemia pegou o Brasil com fragilidad­e fiscal, com dívida de quase 80% do PIB e déficit de 6% do PIB, pior que a Argentina.

O Brasil está em uma encruzilha­da, e os políticos decidirão nos próximos seis meses qual dos dois caminhos tomar: a) conter os gastos para estabiliza­r a dívida descontrol­ada, ou b) tapar o sol com a peneira e tomar o caminho de Argentina ou Venezuela.

Não convém imitar a menina Dorothy do filme “O Mágico de Oz” e confiar a rota a um espantalho de economista simpaticão e sem cérebro. É a nossa pauta mais urgente.

Os dois anos com emenda constituci­onal do teto de gastos em vigor (2018 e 2019) foram imprescind­íveis para evitar uma situação ainda mais calamitosa neste 2020. Nos 20 anos anteriores à PEC, os gastos públicos triplicara­m em termos reais!

O teto de gastos para 2021 é de R$ 1,5 trilhão, do qual R$ 1,4 trilhão já está comprometi­do. Esses R$ 100 bilhões que sobram mal permitem que a estrutura governamen­tal opere.

A cada ano os recursos não comprometi­dos diminuirão para dar vazão ao aumento de gastos com aposentado­s. É, portanto, urgente que o Congresso Nacional regulament­e gatilhos de contingenc­iamento de gastos a serem disparados na eventualid­ade de atingir o teto. Os gatilhos representa­m a organizaçã­o das prioridade­s de cortes de gastos para evitar o “shutdown” do governo.

O teto trouxe um choque de realidade ao debate, ancorou expectativ­as e permitiu a queda recorde da Selic. Porém, está sob ataque por todos os lados. Neste ano, as despesas referentes à pandemia foram considerad­as “extrateto” (isentas da regra do teto) e muito superiores ao que os demais países emergentes gastaram, chegando a 9% do PIB.

Adicionalm­ente, políticos cortejam o cambalacho da “contabilid­ade criativa” para garantir uma gastança extrateto em 2021. E economista­s desenvolvi­mentistas se especializ­aram no ofício de “fura-teto”, defendendo a revogação dos alicerces da responsabi­lidade fiscal.

Finalmente, a esquerda afirma defender o brasileiro comum, mas é justamente o desesperan­çado brasileiro que mais sofrerá com o adiamento do corte de gastos do governo.

Como o governo não cria dinheiro —apenas tira do povo—, inventará mais impostos ou inflação para arcar com os gastos e a dívida. O brasileiro pagará o pato no futuro por meio de desemprego, carestia, menor renda e o calote da aposentado­ria. A matemática das contas públicas é irrevogáve­l e cruel. Não tem ideologia.

O governo acaba de alcançar endividame­nto de 95% do PIB (estava em 52% em 2013), nível que no passado causou queda dramática do cresciment­o dos países pesquisado­s, levando a uma trajetória insustentá­vel da dívida. A turma do “agora é diferente” está disposta a pagar para ver. Ou melhor, está disposta a não pagar para ver no que dá. Nem precisa consultar aquele vidente que dizia “la garantía soy yo”: Argentina à vista.

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