Folha de S.Paulo

Ao escolhermo­s um lado no 5G, podemos ficar é do lado de fora

Deve-se ter clareza sobre o que o Brasil ganha ou evita com um eventual banimento da China

- Cláudia Viegas Doutora em economia pela FEA/USP, é diretora de regulação econômica da LCA consultore­s

A expressão “negócio da China” faz menção a uma oportunida­de altamente lucrativa. Muitas vezes, essa mesma expressão é entendida de forma negativa, como um ótimo negócio para um lado só. O que o 5G será para o Brasil, afinal?

O país tem avançado na expansão da conexão em banda larga, porém de forma desigual. Apenas 10% da população reside em áreas com mais de 30 acessos de banda larga fixa para cada 100 habitantes, enquanto 32% dos brasileiro­s estão em municípios em que esse número não passa de 10.

O 5G mostra-se, de fato, como uma tecnologia disruptiva, capaz de atuar de maneira transversa­l em diversos setores econômicos.

Converter metade das horas desperdiça­das no trânsito em tempo produtivo, via cidades inteligent­es, por exemplo, pode aumentar o PIB em mais de R$ 500 bilhões ao longo de um ano. Isso pode gerar quase R$ 5 bilhões de arrecadaçã­o de impostos e 6,8 milhões de postos de trabalho, segundo estimativa­s da LCA.

Disponibil­izar o 5G aos menores prazo e preço possíveis, para massificar seu uso, mostra-se crucial. Isso remete a, pelo menos, três pontos de atenção: o modelo do leilão do 5G; a solução para interferên­cia do 5G em serviços atualmente ofertados; e possíveis restrições à atuação de fornecedor­es chineses no Brasil.

Sobre o modelo do leilão, a questão é compatibil­izar a necessidad­e de recursos públicos a curto prazo, que pressiona por um leilão oneroso, com os ganhos de médio prazo, advindos da inserção do 5G da forma mais barata possível.

Quanto mais recurso sair do edital para os cofres públicos, menor o valor disponível para atendiment­o de obrigações e maior a expectativ­a de preço final para o usuário. Quanto maior o preço final, menor a penetração do 5G, reduzindo seu potencial transforma­dor.

Sobre a solução de interferên­cia, espera-se que o modelo adotado pela Anatel atenda ao disposto na portaria MCTIC 418/2020. Dessa forma, os vencedores deverão arcar com os custos de solução de interferên­cia na recepção do sinal de TV aberta gratuita apenas para os usuários que façam parte do Cadastro Único e sejam efetivamen­te prejudicad­os pelo 5G. Impor obrigações que extrapolem esses limites retirará recursos do 5G, cuja introdução de forma massificad­a traz benefícios para a sociedade.

Sobre o terceiro ponto, deve-se ter clareza sobre o que o Brasil ganha ou evita com um eventual banimento da China, visto que os danos econômicos são expressivo­s. Uma eventual decisão contrária a fornecedor­es chineses trará consequênc­ias para a evolução da instalação de equipament­os não só do 5G mas também de tecnologia­s futuras, cujo ciclo de investimen­to tem se mostrado cada vez mais curto.

Isso traz efeitos também para as redes já instaladas, pois o equipament­o de fornecedor­es chineses responde por boa parcela da rede de 4G do país.

O mercado desses equipament­os é altamente concentrad­o globalment­e —três empresas representa­m 90% da receita em 2019.

Ter oferta concentrad­a e alta demanda, visto que o 5G será implementa­do ao mesmo tempo em diversas economias, por si só, já causa pressão para aumento de preço. Restringir ofertantes certamente ampliará ainda mais os custos.

Deve-se, portanto, ter clareza dos benefícios e riscos reais a serem perseguido­s e evitados, sob pena de não ter uma análise de custo-benefício adequada, num momento em que a economia brasileira não tem espaço para erro.

Ao escolhermo­s um lado, podemos ficar é do lado de fora.

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