Governo indica que vacina da Pfizer está fora do perfil desejado
brasília e são paulo O Ministério da Saúde informou nesta terça (1º) que as vacinas contra a Covid-19 que serão incluídas no Plano Nacional de Imunização devem “fundamentalmente” ser termoestáveis e que possam ser armazenadas em temperaturas de 2°C a 8°C.
Na prática, o anúncio significa que a vacina desenvolvida pela americana Pfizer e a alemã BioNTech não deve ser aplicada no Brasil, uma vez que exige condições especiais de armazenamento, com temperaturas de -70º C.
Nesta terça, a Pfizer pediu às autoridades de regulação de medicamentos da Europa a autorização para uso emergencial de sua vacina. O mesmo processo já havia sido iniciado nos Estados Unidos. A Pfizer divulgou estudos que mostram que sua vacina é 95% eficaz contra o novo coronavírus.
Em entrevista à imprensa, o secretário de Vigilância em Saúde do ministério, Arnaldo Medeiros, afirmou que é desejável que a vacina seja aplicada em uma única dose e que também que ela seja “fundamentalmente” termoestável por longos períodos, em temperaturas de 2°C a 8°C. O representante da pasta não citou especificamente nenhuma vacina.
“O que nós queremos de uma vacina? Qual o perfil de uma vacina desejada? Claro, que ela confira proteção contra a doença grave e moderada, que ela tenha elevada eficácia, que ela tenha segurança, que ela seja capaz de fazer uma indução da memória imunológica, que ela tenha possibilidade de uso em diversas faixas etárias, e em grupos populacionais”, disse o secretário .“Eque idealmente ela seja feita dedos e única, embora muitas vezes isso talvez não seja possível, mas fundamentalmente que ela seja termoestável por longos períodos, em temperaturas de dois a oito graus.”
N alogística brasileira não há ultra congeladores parais sona chamada Rede de Frio do Programa Nacional de Imunização brasileiro. Hoje, o padrão de manutenção de vacinas no mundo é feito em refrigeradores, com temperaturas similares às das geladeiras caseiras.
As imunizações contra a febre amarela e a poliomielite, especificamente, exigem armazenamento em temperaturas mais baixas (-15ºC a -25ºC), em equipamentos como os freezers científicos. Antes de serem ministradas, as duas vacinas migram para a temperatura “padrão” dos refrigeradores, de 2°C e 8°C, onde podem ficar por até um mês.
Já a vacina da Pfizer contra a Covid-19, batizada de BNT162b2, aguenta apenas cinco dias na temperatura padrão dos refrigeradores.
O secretário afirmou ainda que, do “ponto de vista ideal”, a vacina contra Covid-19 deve apresentar uma tecnologia de baixo custo de produção.
As baixas temperaturas necessárias para armazenar algumas das vacinas em desenvolvimento contra a Covid-19 não deveriam ser uma barreira para a inclusão dos imunizantes no planejamento de vacinação do governo federal, afirmam cientistas.
“Temperaturas muito baixas são um problema real. Os postos de saúde e a maioria dos hospitais não têm como manter uma vacina a -70ºC”, diz a imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). “Mas existem soluções no país e o Ministério da Saúde poderia buscar isso com os cientistas”, afirma.
“É um imenso desafio pensar em um dispositivo que ainda não existe no país para distribuir uma vacina dessas, mas é um desafio motivador e é assim que a ciência se move e fazemos avanços”, afirma Márcia Barbosa, professora do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diretora da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e uma das cientistas mais respeitadas do país.
Na avaliação dela, a necessidade de uma distribuição ágil assim que uma vacina contra a Covid-19 seja aprovada deveria unir governo, institutos de pesquisa e desenvolvedoras dos imunizantes para o planejamento de soluções que tornem possível a vacinação com as substâncias que conseguirem as primeiras aprovações.
Segundo Barbosa, os cursos de física de universidades de estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Pernambuco possuem instalações com temperaturas abaixo dos -70ºC. “Teríamos de adaptar a tecnologia para torná-la portátil e, a partir desses centro de pesquisa, poderíamos ampliar e distribuir a tecnologia”, afirma. “A resposta do ministério é a mais fácil: ‘Não dá, não vou fazer’.”
O Conselho Nacional de Climatização e Refrigeração (CNCR), que reúne 15 entidades que representam empresas e profissionais do setor, também se posicionou em relação às afirmações da pasta.
“O país conta hoje com a cadeia de produção dedicada ao armazenamento e distribuição de vacinas bastante robusta e que pode ser adaptada para a necessidade de qualquer empresa, a qualquer temperatura, inclusive a -70° C”, afirmou o engenheiro Ariel Gandelman, consultor técnico da associação Smacna Brasil e membro do CNCR.
“Todos os insumos necessários, conhecimento técnico e fabricantes já existem no país para apoiar as entidades que serão responsáveis pelo desenvolvimento, produção e distribuição da vacina em tempo curto e a custo acessível.”
A Pfizer afirmou em comunicado que desenvolveu um plano logístico detalhado e ferramentas para apoiar o transporte, o armazenamento e o monitoramento contínuo da temperatura da vacina que desenvolve. A farmacêutica diz que segue em contato com o governo brasileiro para trazer o imunizante ao país.
“Entendendo os desafios que alguns programas de vacinação poderiam enfrentar, a Pfizer desenvolveu uma embalagem inovadora em caixas nas quais o armazenamento da vacina a -75ºC pode se dar por 15 dias, em gelo seco”, diz o texto. A empresa acrescenta ainda que o imunizante pode ser mantido em refrigeradores comuns por até cinco dias.
“Outros países da América Latina como Chile, Peru, México, Panamá e Costa Rica , já assinaram acordos de compra e terão condições de operacionalizar a vacinação sem restrições tão logo ocorram as aprovações regulatórias”, diz a nota.