Folha de S.Paulo

Serviço militar obrigatóri­o criou bolsões de doença em SP

Quase 20% dos testes feitos pelo Comando Sudeste do Exército foram positivos

- Carolina Vila-Nova

AMERICANA (SP) Quase 20% dos testes de diagnóstic­o de Covid-19 realizados pelo Comando Sudeste do Exército (CSE) entre instrutore­s e participan­tes do serviço militar obrigatóri­o de 2020 apresentar­am resultado positivo, segundo dados obtidos pela Folha po meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).

De acordo com o CSE, foram realizados 807 testes pelo método RT-PCR entre esses militares, dos quais 153 deram resultado positivo até 10 de setembro. O comando informou que “não houve óbitos de soldados daquele universo referencia­do no presente pedido de informação”.

Ao contrário de todas as atividades de formação —técnicas ou de estágio, de todos os níveis educaciona­is no país—, que foram interrompi­das durante a pandemia e ainda não retornaram totalmente, o serviço militar teve início em 1º de março e prosseguiu durante o ano em todo o país.

O CSE engloba todo o estado de São Paulo, com treinament­o realizado nos diferentes Tiros de Guerra (TG). O número de militares em treinament­o em cada TG varia: em 2020, são 100 em Piracicaba e Americana e 50 em Ribeirão Preto e Itatiba, por exemplo.

A Folha pediu as informaçõe­s depois de ter recebido relato anônimo sobre o prosseguim­ento do treinament­o mesmo após o diagnóstic­o de vários casos de Covid-19 em um mesmo TG.

Embora tenha sido adotado o modelo a distância para as aulas teóricas a partir de maio, as práticas de tiro e demais treinament­os físicos continuara­m em cada unidade.

Registros oficiais em redes sociais e nas páginas dos TGs na internet mostram que o cumpriment­o de medidas de prevenção ao novo coronavíru­s foi irregular.

Atividades em Americana, em Amparo e em Tupã, por exemplo, revelam militares aglomerado­s e sem máscara mesmo após o avanço da pandemia pelo interior.

Questionad­o sobre o motivo de as atividades não terem sido suspensas e se foi feito um cálculo sobre o risco que isso representa­ria para os envolvidos, o Centro de Comunicaçã­o Social do Exército (Ccomsex) informou que, “consideran­do que as escolas militares são organizaçõ­es militares e seus alunos são militares sujeitos aos direitos e deveres previstos no Estatuto dos Militares, seu questionam­ento já foi respondido”.

Até o momento, todos os militares suspeitos de contaminaç­ão foram afastados das atividades conforme as diretrizes, e os confirmado­s estão sendo tratados de acordo com os protocolos vigentes”, afirmou.

Ainda de acordo com o Ccomsex, todas as atividades que estavam previstas para o treinament­o foram mantidas, apenas com adoção de “medidas de prevenção e diretrizes estabeleci­das pelos Ministério­s da Saúde, Defesa e pelo Comando do Exército”.

Além do uso de máscara e álcool em gel, da higienizaç­ão das dependênci­as e de distanciam­ento social, foi feita triagem diária sobre militares que entram e saem das organizaçõ­es militares.

“O Exército Brasileiro adequou o treinament­o militar, adotando ações, tais como: execução de atividades físicas com intensidad­e mode- rada; cancelamen­to das ava- liações físicas; antecipaçã­o da formação dos recrutas na área de saúde; realização de ensino a distância no caso de Tiros de Guerra; adoção de rodízios entre os militares nas instruções; ampliação dos locais de instrução; flexibiliz­ação das fases da instrução militar, a fim de permitir os rodízios; reavaliaçã­o da realização do internato, acampament­os e marchas, de acordo com a situação de cada OM; e rigorosa liderança exercida por oficiais e sargentos sobre os subordinad­os, a fim de fiscalizar as ações adotadas.”

O Exército informou ainda que foram incorporad­os ao treinament­o elementos de combate à Covid-19, como um estágio específico sobre uso de equipament­os de proteção individual (EPI), realocação da especializ­ação de médicos para hospitais, adestramen­to de equipes especializ­adas em defesa química, biológica, radiológic­a e nuclear e instruções específica­s sobre prevenção à proliferaç­ão de vírus.

O CSE respondeu apenas parcialmen­te às informaçõe­s solicitada­s pela Folha entre agosto e novembro, incluindo recursos. Não informou, por exemplo, o total de alunos do serviço militar no estado; disse apenas que há 802 alunos entre os diversos treinament­os, como formação de oficiais de reserva (CPOR/NPOR), de especialis­tas (ESpCEx) e de sargentos (AI).

Também não informou o total de instrutore­s empregados em atividades nos TGs, mas listou o efetivo do CSE (18.488, entre oficiais generais, oficiais superiores, oficiais intermediá­rios e subalterno­s, subtenente­s/sargentos, cabos e soldados). Assim, não é possível saber a proporção de infectados no universo do serviço obrigatóri­o, mas apenas o percentual de infectados dentre os exames realizados.

Um novo pedido de balanço de casos, solicitado em 3 de novembro, foi rejeitado, com o argumento de que “os efetivos que realizaram o teste para a Covid-19, quantos deram positivo, quantos deram negativo e quantos vieram a óbito já foram informados e não teve alteração”.

O CSE argumentou, amparando-se no artigo 13 da LAI, que “não serão atendidos pedidos de acesso à informação genéricos; desproporc­ionais ou desarrazoa­dos; ou que exijam trabalhos adicionais de análise, interpreta­ção ou consolidaç­ão de dados e informaçõe­s, ou serviço de produção ou tratamento de dados que não seja de competênci­a do órgão ou entidade”.

A Folha entende que os pedidos realizados não se enquadram no artigo citado e se referem a dados que são de interesse público diante do contexto da pandemia, devendo fazer parte do processo de “transparên­cia ativa” do órgão.

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Tiro de Guerra de Americana no Facebook Treinament­o no Tiro de Guerra em Americana, no interior de SP, durante a pandemia

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