Folha de S.Paulo

Dona do próprio tempo, viveu o sonho de ser professora

LUZIA BISPO DA SILVA (1938-2020)

- Patrícia Pasquini coluna.obituario@grupofolha.com.br

são paulo Era impossível não notar a presença marcante da professora Luzia Bispo da Silva. A neta, a jornalista Aline Luiza Alves Pardos, 38, conta que sua entrada em casa acontecia de forma triunfal e espalhafat­osa: “cheia de sacolas, falando alto e fazendo barulho”.

A alegria dava lugar ao mau humor quando alguém lhe perguntava a idade. O segredo, guardado a sete chaves, morreu com ela, no dia 29 de novembro.

Segundo familiares, ao chegar a São Paulo, Luzia providenci­ou novos documentos e alterou o ano de nascimento para 1938.

Natural de Jaguaquara, no interior da Bahia, Luzia não conheceu o pai e perdeu a mãe muito cedo. Passou parte da vida nos municípios baianos Ibicuí e Vitória da Conquista —lá casou-se com Adriano Bispo da Silva e teve a primeira filha. As demais nasceram em cidades do interior paulista.

O sonho de ser professora a acompanhav­a desde cedo, pois enquanto morava na roça ensinava o pouco que sabia na fazenda onde trabalhava.

Apartirdos­anos1960,quando chegou a São Paulo, fez de tudo um pouco: foi de costureira a exímia cozinheira.

Após 50 anos de idade, formou-se em geografia e realizou o sonho de ser professora.

Em muitos momentos ao longo da vida venceu preconceit­os por ser negra, mulher, da periferia e nordestina.

Luzia tinha “rodinhas nos pés”. Inquieta, circulava pela capital, pelo interior e outros estados em visitas aos parentes e amigos. Por onde passava, fazia amizade fácil e conquistav­a todos.

Já em idade avançada, tirou carteira de motorista e deixou a família de “cabelo em pé”.

Há alguns anos foi diagnostic­ada com Mal de Alzheimer, mas surpreendi­a nas conversas lúcidas e nos comentário­s sobre qualquer tema.

Seu nome foi uma homenagem a santa Luzia, por ter nascido no mesmo dia, 13 de dezembro.

Aos 82 anos, complicaçõ­es de uma pancreatit­e colocaram um ponto final na história de sonhos e batalhas de Luzia. Viúva, ela deixa quatro filhas, 11 netos e 12 bisnetos.

WANDERLEY FERREIRA LIMA

Aos 55, casado com Maria de Lourdes Delfina Lima. Terça (1/12). Cemitério Jardim do Pêssego, Itaquera (SP)

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