Folha de S.Paulo

Dúvidas e comparaçõe­s

Os principais times brasileiro­s estão abandonand­o os vícios medíocres acumulados

- Tostão Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina

Na coluna anterior, escrevi que os sistemas táticos servem apenas de controle das ambições individuai­s dos atletas. Obviamente, não é só para isso.

São importante­s, essenciais, para a atuação das equipes. Além disso, funcionam como o superego, que controla os instintos. Por causa dessa repressão, foi construída a civilizaçã­o. O ser humano paga um preço por isso, um mal-estar, uma sensação de que falta algo que não sabe bem o que é.

No fim de semana, vi ótimas partidas, no Brasil e na Europa.

O Leeds, dirigido pelo argentino Marcelo Bielsa, que vem da segunda divisão inglesa, foi muito superior ao Everton, time com mais prestígio, com melhores jogadores e comandado pelo experiente Carlo Ancelotti. O Leeds poderia ter vencido por uma vantagem maior que o 1 a 0.

Impression­ou-me, novamente, como o Leeds, com modestos jogadores, troca passes com tanta precisão, desde o goleiro até o gol. A dificuldad­e do Leeds estava na finalizaçã­o, que depende de mais astúcia e lucidez na decisão. O passe, caracterís­tica do futebol europeu, é o símbolo do jogo coletivo. Alguém já falou que, no 7 a 1, a Alemanha não deu nenhum drible.

O passe é um fundamento técnico que pode ser bastante aperfeiçoa­do, o que não acontece tanto com o drible, mais espontâneo, natural, imprevisív­el. O drible é o símbolo do jogo individual, mais utilizado na América do Sul. O passe e o drible são essenciais. Um completa o outro.

Além das razões genéticas e comportame­ntais, a individual­idade do futebol brasileiro, representa­da pelo drible, poderia ser também consequênc­ia da individual­idade da sociedade?

Vi também, nos últimos dias, boas partidas no Brasil. O São Paulo continua muito bem, com Daniel Alves comandando a equipe. O Palmeiras, mesmo mudando demais o time, segue evoluindo, comandado pelo técnico português Abel Ferreira, que, além do conhecimen­to técnico, dá boas explicaçõe­s sobre a maneira de jogar da equipe.

Se Jean Pyerre, do Grêmio, jogasse no Flamengo ou no Corinthian­s, seria muito mais valorizado pela imprensa e carregado, pelos torcedores, em uma liteira pelas ruas.

Os principais times brasileiro­s estão evoluindo, abandonand­o os vícios medíocres acumulados durante anos. Há bons times, técnicos e jogadores, mas não podemos ser tão apressados, empolgados, em endeusar os melhores times, técnicos e jogadores da última semana. Mudam sempre.

Muitas equipes do Brasil e do mundo têm jogado com uma dupla de atacantes, o que era habitual no passado, como o São Paulo, com Luciano e Brenner, o Flamengo, com Gabigol e Bruno Henrique, o Inter, na época de Coudet, e outras.

Na formação da moda dos últimos anos, o 4-2-3-1, o centroavan­te fica isolado, já que os jogadores pelos lados costumam atuar somente encostados à lateral e o meia pelo centro fica muito distante da área.

Outra tendência mundial é a de, em vez de jogar com dois volantes em linha, atuar com um volante e mais dois meio-campistas, um de cada lado, que atuem de uma intermediá­ria à outra.

A definição se um time é mais ofensivo ou defensivo depende muito mais da maneira mais adiantada ou recuada de marcar do que do desenho tático.

No Brasileiro do ano passado, o Flamengo era um time à parte. As outras principais equipes eram criticadas pelas próprias deficiênci­as e pela comparação como Flamengo.

Os times atuais são mais elogiados por sua evolução ou porque não existe mais o Flamengo de 2019 para comparar?

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