Folha de S.Paulo

Maradona me defendeu de racistas, lembra André Catimba

Brasileiro foi colega de Diego no Argentinos Juniors por meses em 1980

- Alex Sabino

buenos aires O baiano Carlos André Avelino de Lima, 74, lia um livro esparramad­o no sofá na última quarta-feira (25) quando o telefone tocou em sua casa, em Salvador. “Você viu que seu amigo morreu?”, foi a pergunta de sua irmã.

Ele pensou em alguns nomes possíveis, até que ela disse: Diego Maradona.

“Tomei um susto. Nem quis acreditar. Como é que pode?”, ainda se pergunta o baiano, que ficou conhecido no futebol como André Catimba.

Ele fez história no Grêmio como centroavan­te no final dos anos 1970. Seu gol na decisão do Campeonato Gaúcho de 1977 contra o Internacio­nal acabou com um jejum de nove anos sem o título estadual do tricolor gaúcho. Também venceu o torneio em 1979.

No ano seguinte, quando jogava no Bahia e estava sem receber salários, o empresário uruguaio Juan Figer lhe perguntou se não queria atuar no Argentinos Juniors. O time da primeira divisão argentina tinha Maradona, então com 20 anos, como principal nome. Os dois se deram bem imediatame­nte, e André percebeu estar diante de um gênio.

“Diego não era de ficar com conversa fiada, como muito jogador no Brasil hoje. Dentro

de campo, resolvia. Era garotão, muito alegre, não tinha nenhuma maldade”, lembra Catimba, que não levou o apelido para a Argentina; em Buenos Aires, era apenas André.

Ele foi o único brasileiro a atuar com Maradona na época e seu primeiro parceiro de ataque do país até Careca chegar ao Napoli, em 1987.

“Maradona era muito sossegado, nada o perturbava”, diz. “Mas não podia ver um rabo de saia. Aí ficava todo aceso.”

Morar em Buenos Aires não foi uma experiênci­a boa para o brasileiro. Tanto que ele afirma ter deixado a cidade depois de alguns meses e pediu para encerrar mais cedo a passagem pelo clube.

Catimba, que é negro, reclamou de racismo. Ele relata que, quando foi vítima durante os jogos, o único jogador a defendê-lo foi Maradona.

“Só ele ficou indignado e ia pedir para a torcida adversária parar com aquilo. Ele já tinha muita moral com todo mundo. Foi difícil. Toda vez que eu pegava na bola eram gritos, xingamento­s e ofensas racistas”, relembra 40 anos depois.

Mas o camisa 10 não estava a seu lado em situações cotidianas, quando o brasileiro afirma ter tido problemas também. Segundo ele, foi alvo de racismo no caminho do hotel onde morava e no restaurant­e em que almoçava.

Nos meses em que ficou na Argentina, o brasileiro, conhecido pela irreverênc­ia, ficava admirado com a liberdade que o craque já tinha para fazer o que desejasse. Para Catimba, era justo. Afinal, quando a bola rolava, Maradona resolvia.

“Ele recebia a bola do goleiro na defesa e ia driblando todo mundo pela direita”, diz. “Maradona já havia sido campeão mundial de juniores com a seleção [em 1979], mas eu não acreditava que pudesse ser tudo aquilo. E era.”

Depois que deixou a Argentina, André Catimba teve contatos esporádico­s com o camisa 10. Às vezes o argentino queria a opinião sobre algum jogador brasileiro e perguntava ao antigo companheir­o. Poderia desejar também um empurrãozi­nho para levar alguém para o Boca Juniors.

Foi o que aconteceu em 1992, quando estava no Sevilla, mas perguntou se Catimba poderia ajudar na contrataçã­o do também baiano atacante Charles pelo Boca.

A aquisição aconteceu, mas foi um fiasco. O artilheiro do Campeonato Brasileiro de 1990 não fez gols pelo time do coração de Diego. “Quando ele me telefonou para falar sobre o Charles foi a última vez que conversamo­s.”

Nos anos seguintes, André acompanhou apenas pelo noticiário os problemas de Maradona com as drogas, sua aposentado­ria e a carreira de técnico com altos e baixos. Diz ter ficado surpreso com o envolvimen­to dele com cocaína, porque a recordação em sua cabeça é a do menino de 20 anos que no máximo tomava uma taça de vinho à noite.

“Naquela época, ele não tinha vícios. Só mulher. Tenho lembrança muito boa dele e a atitude bacana que teve comigo, de me defender quando as outras torcidas foram racistas. Vou sempre me recordar disso”, diz André Catimba.

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Reprodução TV Globo André Catimba com Maradona no Argentinos Juniors

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