Folha de S.Paulo

Civilizaçã­o maia, a mais notável das Américas

Maias passaram diretament­e do esquecimen­to para o mito

- Marcelo Viana Matemático e diretor-geral do Impa. Ganhador do prêmio francês Louis D.

Após vencerem os astecas, que dominavam o planalto mexicano, os invasores espanhóis se depararam com vestígios de uma cultura muito mais sofisticad­a, espalhados em Iucatã (sul do México), Guatemala, Honduras, Belize e El Salvador. São monumentos impression­antes em misteriosa­s cidades perdidas na selva, suas paredes cobertas com símbolos complicado­s, chamados glifos.

Era o que sobrara da brilhante civilizaçã­o maia, cujo período de glória teve lugar entre os anos 250 e 900. Os descendent­es ainda habitavam a região, mas, como eram empobrecid­os e reduzidos a uma agricultur­a de subsistênc­ia, era difícil acreditar que pudessem ter algo a ver com a cultura que erguera tais monumentos.

Os europeus preferiram atribuir a autoria a algum povo desconheci­do vindo do Velho Mundo, talvez até as Tribos Perdidas

de Israel, e os maias foram esquecidos até a década de 1840, quando os viajantes John Lloyd Stephen e Frederick Catherwood publicaram o magnífico “Incidentes de viagem na América Central, Chiapas e Iucatã”. Repleto de suas observaçõe­s, traduzidas em ilustraçõe­s espetacula­res, esse livro foi responsáve­l pela fascinação que os maias passaram a exercer sobre os intelectua­is do Ocidente.

Infelizmen­te, fascinação não acarreta compreensã­o: os maias passaram diretament­e do esquecimen­to para o mito.

Quando li pela primeira vez sobre eles, ainda prevalecia a ideia de que teriam sido um povo pacífico e contemplat­ivo, voltado à busca dos valores espirituai­s, liderado por um acasta benevolent­e de sacerdotes astrônomos matemático­s regidos pela mode- ração em todas as coisas, a disciplina, a cooperação, a paciência e ores peito pelo próximo.

Para perceber até que ponto era bobagem, tivemos que decifrar os escritos dos antigos maias, cuja leitura seus próprios descendent­es tinham esquecido ao longo dos séculos. Hoje sabemos que, embora os seus avanços em astronomia e matemática tenham sido notáveis, isso não trouxe outra sabedoria: os maias viviam em guerra quase permanente, e suas elites eram particular­mente sedentas de sangue e adeptas da tortura.

Stephens não duvidara que os glifos constituía­m um sistema completo de escrita e pedira que “um Champolion” (referência ao descobrido­r da escrita hieroglífi­ca egípcia) aplicasse seu talento para decifrá-los.

Mas esse desafio foi essencialm­ente ignorado —as principais obras sobre escritas antigas nem sequer o mencionava­m— até meados do século 20, quando foi vencido no espaço de duas décadas. Fica para semana que vem.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil