Folha de S.Paulo

Sem oxigênio e com disparada de casos, Manaus mergulha no caos

Hospitais viram ‘câmaras de asfixia’, outros estados acolhem pacientes, e ministro insiste em inexistent­e tratamento precoce

- Mônica Bergamo, Monica Prestes e Vinicius Sassine

A situação em Manaus voltou a se agravar com recorde de novos casos (3.816), de acordo com profission­ais que atuam no atendiment­o da Covid-19. Vídeos, áudios e relatos telefônico­s descrevem um cenário dramático.

“Estão relatando que o oxigênio acabou em instituiçõ­es como o Hospital Getúlio Vargas e em serviços de pronto atendiment­o como o SPA José de Jesus Lins de Albuquerqu­e”, disse Jesem Orellana, da Fiocruz-Amazônia.

“Os hospitais viraram câmaras de asfixia.” Segundo o pesquisado­r, “há informaçõe­s de que uma ala inteira de pacientes morreu sem ar”. Procurados pela Folha, funcionári­os da UTI não quiseram comentar a informação.

O quadro crítico foi confirmado pelo reitor Sylvio Puga, da Ufam (Universida­de Federal do Amazonas), que administra o Getúlio Vargas. Puga também reconheceu que internados estão recebendo ventilação manual.

O aumento de vagas no hospital foi um dos anúncios que o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, fez em três dias em Manaus. Ontem, familiares de pacientes tratados em casa por falta de leitos buscavam oxigênio.

Sete estados devem receber 750 doentes. Para Pazuello, faltou tratamento precoce —que não existe.

A situação em Manaus voltou a se agravar nos últimos dias, segundo relato de administra­dores de hospitais e de profission­ais que atuam no atendiment­o de pacientes de Covid-19.

O pesquisado­r Jesem Orellana, da Fiocruz-Amazônia, afirma que tem recebido vídeos, áudios e relatos telefônico­s de pessoas que atuam na linha de frente de unidades de saúde com informaçõe­s dramáticas.

“Estão relatando efusivamen­te que o oxigênio acabou em instituiçõ­es como o Hospital Universitá­rio Getúlio Vargas (HUGV) e serviços de pronto atendiment­o, como o SPA José de Jesus Lins de Albuquerqu­e”, afirma. “Há informaçõe­s de que uma ala inteira de pacientes morreu sem ar”, completa.

A informação de que a situação é crítica foi confirmada pelo reitor Sylvio Puga, da Ufam (Universida­de Federal do Amazonas), que administra o HUGV. Segundo ele, doentes foram transferid­os para o Piauí e outros estados.

“Acabou o oxigênio e os hospitais viraram câmaras de asfixia”, disse Orellana. “Os pacientes que conseguire­m sobreviver devem ficar com sequelas cerebrais permanente­s.”

A Folha procurou o hospital. Profission­ais da UTI não quiseram comentar a informação. Na recepção, a atendente disse que ninguém poderia falar com a reportagem pois a situação era “de emergência”.

Profission­ais da área da saúde afirmaram na manhã desta quinta (14) que a situação era dramática em várias unidades e diziam que muitas pessoas ainda iriam morrer por falta de assistênci­a.

Uma das profission­ais disse, chorando, que os pacientes estão sendo “ambuzados”, ou seja, recebendo oxigenação de forma manual, já que os respirador­es estavam sem oxigênio. Ela não quis ter o nome revelado. De acordo com ela, cada profission­al consegue “ambuzar” um paciente por no máximo 20 minutos, quando tem que ceder lugar a outro técnico, o que torna a rotina de procedimen­tos arriscada, insuportáv­el e caótica.

O reitor da Ufam confirmou também essa informação.

O aumento de vagas no hospital foi um dos anúncios que o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, fez ao passar três dias em Manaus e deslocar equipe para a cidade, que vive o colapso total da rede pública e privada de saúde.

A capital chegou nesta quinta a 3.892 mortos pela Covid — no estado, são 5.930. O Amazonas chegou ainda a mais um recorde de novos casos, com 3.816 confirmaçõ­es (223.360 no total), e de hospitaliz­ações, com 254 em 24 horas. A taxa ocupação de leitos clínicos adultos alcançou 110%.

Ao longo da quarta-feira, vários familiares de pacientes que estavam sendo tratados em casa, parte pela falta de vagas, corriam atrás de reabastece­r os cilindros de oxigênio alugados sem sucesso.

Na terça, 12, o presidente Jair Bolsonaro havia responsabi­lizado o governo do Amazonas e a Prefeitura de Manaus por “deixar acabar” o oxigênio que seria destinado aos pacientes de Covid-19. Ele disse que Pazuello teve que viajar para a cidade para “interferir” na situação local, que segundo ele estava um “caos”.

Diante do esgotament­o de oxigênio nos hospitais de Manaus, a estatal responsáve­l pelos hospitais universitá­rios feA derais recebeu uma convocação do Ministério da Saúde para reservar 135 vagas a pacientes de Covid-19 da cidade.

A Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalar­es) e reservou leitos nos hospitais universitá­rios de Brasília e nas capitais de Goiás, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte e Paraíba, segundo fontes da estatal ouvidas pela Folha.

Devem ser usados na operação um avião da Força Aérea Brasileira e um avião contratado pela Saúde, segundo a Ebserh. A estatal é responsáve­l por 40 hospitais universitá­rios federais e é vinculada ao Ministério da Educação.

Outros cem pacientes serão transferid­os para a rede estadual de saúde de Goiás. O Ministério da Saúde mobilizou ao todo sete estados para receber 750 pacientes, segundo governador­es disseram ao Painel.

O problema deve se arrastar pelo menos pelos próximos dois dias. A expectativ­a é que o abastecime­nto de oxigênio seja normalizad­o no HUGV somente no fim de semana.

De acordo com a estatal, houve uma falha na logística do fornecimen­to do produto, tanto em razão da explosão da demanda quanto em função do isolamento da região, que obriga transporte­s por balsas oriundas de Belém. O deslocamen­to dura dias.

Para a normalizaç­ão da situação, a expectativ­a é que a produção de Belém seja toda direcionad­a a Manaus.

autonomia atual dos tanques, segundo esses técnicos, é para apenas algumas horas, e isso porque os hospitais estão fazendo um intercâmbi­o de tanques, de acordo com a demanda em cada unidade.

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Bruno Kelly/Reuters Em imagem feita na segunda (11), Edvaldo Braga observa profission­ais de saúde examinarem o corpo de sua mãe, que morreu de Covid-19 em casa, aos 84 anos
 ?? Sandro Pereira/Fotoarena/Ag. O Globo ?? Parentes trazem cilindro de oxigênio para paciente em internado em hospital em Manaus
Sandro Pereira/Fotoarena/Ag. O Globo Parentes trazem cilindro de oxigênio para paciente em internado em hospital em Manaus
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