Folha de S.Paulo

Lira me esganou e me usou como laranja, diz ex-mulher

Casada por 10 anos com candidato à presidênci­a da Câmara, ela afirma que apanhou e foi coagida para mudar versão; deputado nega

- JULLYENE LINS Constança Rezende sobre agressão que afirma ter sofrido em 2006

Ex-mulher de Arthur Lira (PP-AL), Jullyene Lins, 45, afirma à Folha que o deputado, candidato à presidênci­a da Câmara, a agrediu fisicament­e e a ameaçou para que mudasse um depoimento. “Eu posso fazer qualquer coisa com você”, teria dito Lira, segundo ela.

Jullyene também o acusa de tê-la usado como laranja numa empresa. “Até hoje não tenho vida fiscal.”

A defesa de Lira afirma que o conteúdo é “requentado” e que o STF o absolveu no processo por agressão —no qual ela diz ter sido coagida.

“A situação toda durou 40 minutos. Ele parava, me xingava, me chamava de vagabunda e de outros nomes horríveis. Aquilo era o machismo puro, o sentimento de posse, que acho que tem até hoje. Tudo tem que estar no domínio dele, no comando dele, a arrogância e a prepotênci­a. Ele é assim

Ex-mulher do deputado Arthur Lira (PP-AL), Jullyene Lins, 45, afirma em entrevista­à Folha que o parlamenta­r, candidato à presidênci­a da Câmara, a agrediu fisicament­e e depois a ameaçou para que mudasse um depoimento sobre acusações que havia feito contra ele.

Jullyene foi casada por dez anos e tem dois filhos com Lira. Ela recebeu a reportagem nesta quarta-feira (13) e pediu que o local não fosse revelado.

Em outubro passado, ela solicitou à Justiça de Alagoas medidas protetivas contra o deputado. Como mostrou a Folha, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), decidiu enviar à Vara de Violência Doméstica do Distrito Federal acusações feitas por ela sobre Lira em uma ação de injúria e difamação de 2020.

Em nota assinada por seu advogado, Lira afirma que o conteúdo das declaraçõe­s de sua ex-mulher é “requentado” e que ele foi absolvido das acusações dela pelo STF.

“O resultado desse processo é de conhecimen­to público, inclusive, por parte deste veículo de comunicaçã­o, de forma que a repetição e veiculação da falsa acusação atrai a responsabi­lidade penal e cível não só de quem a pratica, mas também de quem a reproduz, ante a inequívoca ciência da sua falsidade”, disse a nota assinada pelo advogado Fábio Ferrario.

Jullyene pede o enquadrame­nto de Lira na Lei Maria da Penha e necessidad­e de proteção urgente. Ele recorre da decisão de Barroso, baseada em pedido da Procurador­iaGeral da República para que o caso fosse enviado a um juizado de Violência Doméstica.

Na entrevista, ela chorou quatro vezes e disse que Lira, hoje candidato ao comando da Câmara com o apoio do presidente Jair Bolsonaro, a fez mudar o seu depoimento no processo em que afirmou ter sido agredida pelo deputado, em 2006. Após esse recuo, Lira foi absolvido em 2015.

“Me agrediu, me desferiu murro, soco, pontapé, me esganou”, disse. “Ele me disse que onde não há corpo, não há crime, que ‘eu posso fazer qualquer coisa com você’”, afirmou. “Aquilo era o machismo puro, o sentimento de posse.”

Ela afirmou também que foi usada como laranja. “Ele abriu uma empresa com meu nome e até hoje não tenho vida fiscal.”

* A senhora entrou com um pedido de medida protetiva contra o deputado em outubro do ano passado. Por que fez isso?

Por causa de ofensas que ele me fez, por pessoas me procurando pedindo para eu mudar depoimento­s, meus filhos [que estão com 14 e 21 anos] sendo usados contra mim. Ele fez alienação parental com os meninos. Não foi uma violência só física, como aconteceu anos atrás, foi psicológic­a, o que passo até hoje. É muito constrange­dor.

Neste caso e no que acusa Lira de injúria no STF, a senhora anexou novamente as fotos do processo por lesão corporal que moveu contra o deputado, de 2006. Por que esse movimento só agora?

Porque existe uma coisa chamada consciênci­a. Posso ter feito aquilo [mudar depoimento] na época porque, se não o fizesse, ele disse que iria tomar meus filhos de mim, porque quem tem o poder é ele e faz o que quer e desfaz. Ele disse: se você não desmentir isso, tiro os meninos de você. E agora eu estou sem os meus filhos porque ele tomou isso de mim.

O que aconteceu em 2006?

É muito doloroso lembrar. Porque ele era o pai dos meus filhos, saiu de casa porque já estava com uma pessoa há anos e aguentei aquela situação. De repente, saiu de casa, meu filho com 23 dias de nascido.

Ele foi à minha casa. Quando abri a porta, me agrediu, me desferiu murro, soco, pontapé, me esganou. A minha sorte foi a babá do mais velho, que ouviu meus gritos e ligou para a minha mãe, que apareceu lá, mas eu estava desfalecen­do já. Muito apanhada. Ele me chutou no chão, mas

Jullyene Lins não queria falar disso porque dói tanto lembrar.

A situação toda durou 40 minutos. Ele parava, me xingava, me chamava de vagabunda e de outros nomes horríveis. Aquilo era o machismo puro, o sentimento de posse, que acho que tem até hoje. Tudo tem que estar no domínio dele, no comando dele, a arrogância e a prepotênci­a. Ele é assim.

Houve testemunha­s?

Minha mãe e meu irmão viram tudo. Fui na delegacia e no IML, que não estava funcionand­o nesse dia. Tive que ir no dia seguinte, logo cedo quando abriu. Foram a babá, o médico e as pessoas que estavam lá [no IML]. É muito constrange­dor, nenhuma mulher merecia passar por isso.

O deputado já tinha tido esse tipo de comportame­nto?

Só gritos, xingamento­s, isso sim. Ele sempre foi destempera­do, explosivo, mas nunca pensei que pudesse chegar a isso. A gente acha que vai acontecer, aí você recua ou se cala, se tranca, corre, vai para o banheiro para não chegar às vias de fato. Porque ele é muito estúpido, quem conhece sabe, é ignorante. A sensação de que o poder dá mais força a ele.

E por que a senhora mudou o seu depoimento depois?

Porque fui ameaçada, coagida. Se depusesse dizendo o que tinha acontecido, ele ia tirar os meninos de mim. Ele foi muito claro. Depois disso, fiquei péssima. Imagina uma mulher ter que se calar diante de tudo o que falou e ser passada de mentirosa. Eu posso hoje até responder pela minha mentira e estou aqui. Mas prefiro ter a minha consciênci­a limpa do que carregar isso que carrego até hoje. Da minha família contra mim, defendendo ele. Ninguém quer mais falar mais nada. Eu perdi meus filhos do mesmo jeito. Hoje não tenho mais nada.

Como foi feita essa ameaça?

Ele sempre manda alguém dar um recado ou fazer alguma coisa, dar um telefonema. Mas nesse caso ele foi lá na minha casa, entrou sem eu saber.

Acho que ninguém nem sabe disso, vai saber agora, em primeira mão. Me chamou para conversar e disse: “Veja bem o que você vai dizer, que eu resolvo a sua vida, mas você tem que me livrar disso”. Eu disse não, mas é o certo. Eu vou mentir? Aí ele deu um tapa na mesa e disse “ou você fala o que eu quero ou você vai perder os meninos porque quem manda aqui sou eu, o que eu quiser eu faço e aconteço. Ou você faz isso, ou nunca mais você vai ver seus filhos”.

Quando foi isso?

Uns dias antes de eu ser ouvida. A partir disso, meu advogado sumiu. E aí foram me buscar em casa, o motorista com o segurança, e fui até lá. Eu fui levada. O advogado que me acompanhou foi do escritório dele, que defendia ele, disse o que era para eu falar ou quando falar. Eu era cutucada por debaixo da mesa. Depois disso, fiquei destruída porque não era eu ali. Foi muito constrange­dor. Então não vou mais mentir em relação a isso. Entrei em depressão, fiquei sem norte.

Meses depois desse caso, a senhora registrou outro boletim de ocorrência contra o deputado por ameaça. O que aconteceu?

Ele disse que ia pegar os meninos de qualquer jeito e acabou, e não era dia de visita dele. Disse: “Você sai da minha frente que

eu vou entrar”. Liguei para a polícia e denunciei de novo. Depois, consegui uma medida protetiva na Justiça, de não poder frequentar o mesmo local, ficar distante tantos metros.

A senhora também enviou um pedido de ajuda em janeiro do ano passado ao Ministério da Mulher.

Comecei desde 2019 a mandar vários emails denunciand­o, relatando o que estava passando, violência psicológic­a, física, patrimonia­l. Eu não saía de casa, quando saía era com uma turma de pessoas mais velhas. Porque eu tinha medo de andar na praia se chegasse algum sujeito, um flanelinha e me esfaqueass­e. Como ele [Lira] disse, onde não há corpo não há crime, né?

Ele disse isso?

Ele me disse que onde não há corpo, não há crime, que “posso fazer qualquer coisa com você”. Nos auges da ira dele, ele fala isso. Isso foi logo quando a gente se separou e me agrediu. Eu também não dirigia carro, tenho medo. E batida de trânsito? Um acidente? Vem um cara, se estranha comigo e me mata? É o que mais a gente vê hoje em dia. Eu sou refém da minha própria casa. Não tenho mais paz.

E o que o ministério da ministra Damares [Alves] fez?

Fui ouvida numa audiência virtual em setembro do ano passado, para ver que não é coisa de agora. Disseram que iriam mandar a documentaç­ão necessária a cada setor, como PGR [Procurador­ia-Geral da República], MP [Ministério Público] de Alagoas, voltar para a Vara de Família, que a gente sabe que não resolve nada e ficou por isso mesmo. Disseram que iriam entrar em contato e ficou por isso mesmo.

Por que a senhora diz que ele lhe tirou os seus filhos?

Ele não me deu mais condições de criar os meus filhos financeira­mente a partir do momento em que corta a pensão. Fiquei com dívidas. Não queria esse tipo de confusão, só que infelizmen­te quando chega algum cargo que ele vai ocupar, todo mundo vai em cima. Luto para isso não é de agora, não é porque ele vai ser candidato a presidente da Câmara. Há anos que estou pleiteando isso. Ele me deve pensão de quase R$ 600 mil, que não é de agora.

A senhora também testemunho­u em processos de corrupção envolvendo Lira, como o da Taturana, que mirou em esquemas de desvios na Assembleia Legislativ­a de Alagoas quando ele era deputado estadual. O que disse?

Que eu via os malotes de dinheiro chegando, via tudo. As reuniões, tudo que rolava, mas ele mandava eu sair. Ele dizia que o dinheiro vinha de venda de fazendas, gados ou que era para ele comprar fazenda, que tinha recebido dinheiro de fulano. Às vezes ele me mandava contar para ver se estava certo.

A senhora também já afirmou que foi usada como laranja por Lira. Como foi isso?

Fui usada como laranja por ele. Foi uma empresa que ele me colocou como laranja junto com a esposa de outro deputado na época. Depois disso, eu não tenho mais vida fiscal, tributária. Respondo a causas trabalhist­as, não posso ter conta em banco, nada.

E o esquema na Assembleia, como foi?

Foi um esquema que a gente recebia, como várias pessoas, e ninguém ia trabalhar. Ele que me colocou lá, era o primeiro-secretário. Eu estava lotada no gabinete dele e já era casada com ele. Ele tirou empréstimo­s inclusive usando nomes de outras pessoas, como o meu, usando como pagamento o meu salário.

Reportagem da Folha sobre o seu processo ter sido enviado à Vara de Violência Doméstica de Brasília foi criticada por uma deputada da base do governo, Carla Zambelli (PSL-SP), que chamou de fake news.

Ela devia se ater aos fatos e ao processo para poder falar alguma coisa. Ela está sendo leiga e desumana. Se isso está vindo à tona agora, não posso fazer nada. Então ela me respeite e, quando ela quiser saber da verdade, se atenha a ouvir os dois lados. Eu estou à disposição dela. Só não aceito usar o meu nome e dos meus filhos nacionalme­nte. Se tem acordo com ele, não me interessa, mas não use meu problema para alavancar nada.

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Folhapress Jullyene Lins, ex-mulher do deputado Arthur Lira (PP-AL), candidato à presidênci­a da Câmara

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