Folha de S.Paulo

Alcance do Bolsa Família cai após término do auxílio

Previsão é que número de beneficiad­os neste mês seja o menor desde o início da pandemia

- Thiago Resende e Bernardo Caram

Após o fim do auxílio emergencia­l, o número de famílias beneficiár­ias do Bolsa Família deve cair em janeiro, para 14,2 milhões, o menor patamar desde o início da pandemia. O governo projetara 15,2 milhões no Orçamento de 2021.

O número de beneficiár­ios do Bolsa Família deve cair em janeiro, na contramão da expectativ­a de aumento de famílias atendidas em 2021 após o fim do auxílio emergencia­l.

A previsão é que a cobertura do programa neste mês seja a menor desde o início da pandemia: 14,232 milhões de famílias. No fim de 2020, eram 14,273 milhões. São 41 mil famílias a menos para receber o benefício neste início de ano.

O recuo contradiz o discurso do governo ao apresentar o projeto de Orçamento de 2021, quando projetou 15,2 milhões de famílias em situação de pobreza e extrema pobreza recebendo a transferên­cia de renda.

Já são cerca de 1,4 milhão de famílias esperando para entrar no programa. Essa fila é formada por pessoas que já tiveram o cadastro aprovado pelo Ministério da Cidadania e, portanto, se enquadram nos critérios. Isso, porém, não garante o recebiment­o do benefício. Falta o governo liberar a ampliação da cobertura.

Segundo o Ministério da Cidadania, o “Bolsa Família, por força legal, só pode atender a um número de famílias que seu orçamento comporta”.

Em janeiro, o benefício médio a ser pago por família também deve cair, em razão, principalm­ente, da composição dos lares —o valor sobe de acordo com a quantidade de filhos ou com a renda.

Antes da crise da Covid-19, o repasse médio por família foi de R$ 201,58, em valor corrigido pela inflação de março a dezembro. Agora, em janeiro de 2021, a transferên­cia de renda deve ser, em média, de R$ 190,57.

O governo de Jair Bolsonaro ainda não deu reajuste ao benefício do programa. O aumento mais recente foi em julho de 2018, na gestão Michel Temer (MDB).

Técnicos do governo avaliam mudanças para que, na prática, o valor médio chegue a R$ 200. Isso, porém, não compensa a inflação acumulada desde o último reajuste.

Em julho de 2018, o benefício foi de R$ 188, mas, corrigindo o dado pela inflação, foi o equivalent­e a R$ 208,35. Portanto, as mudanças no Bolsa Família em estudo pelo governo não repõem o poder de compra dos beneficiár­ios, pois a defasagem chega a 11%.

Além disso, o plano de subir o benefício médio para R$ 200 não é consenso no governo, já que a medida pressionar­ia ainda mais o orçamento do programa, reduzindo a capacidade de atender a mais famílias na crise do coronavíru­s.

Se o valor for corrigido, a verba será suficiente para transferir renda a 14,5 milhões de famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza.

Sem reajuste, o repasse mensal de R$ 190, em média, cobriria mais de 15,2 milhões de famílias, como previsto no projeto de Orçamento de 2021.

“A atualizaçã­o para R$ 200 é insuficien­te para repor a inflação. Não existe uma periodicid­ade para essas correções. É uma fragilidad­e do programa, pois depende de ato discricion­ário do Executivo. Mas o adequado é que o reajuste seja regular”, diz a especialis­ta em políticas públicas Letícia Bartholo.

A piora da situação das famílias e o aumento da fome são observados na ponta pelo diretor-executivo da Ação da Cidadania, Kiko Afonso. A entidade atua em todas as regiões do país e tem entre suas principais atividades a distribuiç­ão de alimento a famílias carentes, sendo responsáve­l pela campanha “Natal Sem Fome”.

Afonso diz que o início de 2021 traz uma combinação trágica de fatores que devem atingir com força a população mais pobre. Segundo ele, há uma associação de continuida­de da pandemia, ampliação do desemprego, aumento do preço dos alimentos, fim do auxílio e falta de perspectiv­a para o Bolsa Família, que segue estagnado e com fila de espera superior a 1 milhão de famílias.

“Não tem nada a curto prazo que nos dê um alento. A gente está muito preocupado, a nossa visão é de uma piora imediata, já muito grave. A gente percebe isso nas famílias que a gente atende, são pessoas que não têm nada”, disse.

“Estamos tentando fazer nossa parte, mas só o governo tem capacidade de tomar decisões e ajustar a economia para garantir a alimentaçã­o das pessoas. E não estamos vendo ação do governo.”

No primeiro ano da gestão Bolsonaro, foi liberada a 13ª parcela aos beneficiár­ios do Bolsa Família. Em 2020, os valores recebidos subiram temporaria­mente por causa do auxílio —que variou de R$ 300 a R$ 600 por mês.

Mas, para 2021, nenhuma dessas medidas está prevista. O orçamento está estimado em R$ 34,9 bilhões, sem a previsão de pagamento do 13º às famílias atendidas. Em 2019, a verba, corrigida pela inflação, foi de R$ 35,8 bilhões e, mesmo assim, o governo teve que, nos últimos dias do ano, remanejar dinheiro da Previdênci­a e outras áreas para conseguir cumprir a promessa do 13º benefício.

Além da defasagem no valor médio transferid­o para as famílias, o governo deveria, na avaliação de especialis­tas, ajustar os critérios para ter direito a entrar no programa.

O Cadastro Único do Bolsa Família considera, desde 2018, em extrema pobreza pessoas com renda mensal de R$ 89 por membro da família. Rendimento­s entre R$ 89,01 e R$ 178,00 são classifica­dos como situação de pobreza. É possível acessar o programa mesmo sem filhos.

Pelo critério do Banco Mundial, a extrema pobreza inclui rendimento de até US$ 1,90 (R$ 10,09) por dia, equivalent­e a R$ 302,70 por mês por pessoa. Se encaixam na pobreza, para a entidade, pessoas com renda entre US$ 1,91 e US$ 5,50 (R$ 29,21) per capita por dia, equivalent­e a R$ 876,30 por mês.

Em 2020, o governo chegou a apresentar um plano para substituir o Bolsa Família por um novo programa, chamado de Renda Brasil. A assistênci­a teria valor mais alto e número maior de beneficiár­ios.

No entanto, divergênci­as entre governo e Congresso fizeram a ideia ser engavetada. O principal entrave é a falta de consenso sobre a fonte de recursos para financiar o programa. Também há resistênci­a de políticos, inclusive de Bolsonaro, a fazer ajustes no Orçamento que abririam espaço para novos gastos sociais.

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