Folha de S.Paulo

Pacote do governo de SP prevê R$ 8 bi de economia

Reforma administra­tiva também faz parte de pacote; Sabesp será alvo de estudos para privatizaç­ão, venda de fatia ou capitaliza­ção

- Fábio Pupo

Um pacote de ajuste fiscal do governo de São Paulo prevê corte de até R$ 8 bilhões com uma reforma para enxugar a máquina pública. A administra­ção também deve enviar neste ano uma proposta para ampliar a tributação sobre heranças.

O governo de São Paulo prepara a implementa­ção de seu pacote de ajuste fiscal para compensar a queda de receitas causada pela pandemia do novo coronavíru­s.

As medidas têm como objetivo buscar ao menos R$ 8 bilhões em recursos e incluem uma reforma administra­tiva para enxugar a máquina pública, enquanto a proposta apresentad­a pelo governo federal segue parada no Congresso.

Além disso, o governo de João Doria (PSDB) planeja enviar em 2021 uma nova proposta para ampliar a tributação sobre heranças e contratar novos estudos sobre a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) para analisar a privatizaç­ão, a venda de ações excedentes ao controle ou a capitaliza­ção da empresa.

Enquanto essas tarefas não ficam prontas, o governo já iniciou sua reforma administra­tiva com o processo de liquidação de estatais. A iniciativa é parte do projeto de lei apresentad­o à Assembleia Legislativ­a em agosto e aprovado em outubro.

Enquanto isso, a reforma administra­tiva do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foi enviada em setembro ao Congresso após ser adiada por cerca de um ano e ainda não tem data para ser discutida formalment­e pelos parlamenta­res.

Mauro Ricardo, secretário de Projetos, Orçamento e Gestão do estado, afirma que a celeridade na aprovação foi alcançada graças à articulaçã­o política e à discussão com diferentes partidos antes mesmo da apresentaç­ão da proposta. Para ele, a diferença em relação ao governo federal é uma questão de determinaç­ão política.

“É uma questão de vontade política de fazer. [O governo federal] não faz porque precisa eventualme­nte de autorizaçã­o legislativ­a ou esbarra em algum obstáculo em algum ministério”, afirmou em entrevista à Folha.

“Não é fácil, porque você precisa enfrentar as corporaçõe­s dessas organizaçõ­es. Então tem que ter determinaç­ão. Talvez o que falte no governo federal seja falta de vontade política e articulaçã­o”, disse (leia entrevista na pág. A13).

Nem tudo, no entanto, foi como o governo paulista planejou. O pacote sofreu desidrataç­ões, como a retirada pelos deputados da maior parte das estatais, autarquias e fundações a serem extintas.

Das empresas, ficaram na lista de eliminação apenas CDHU (Companhia de Desenvolvi­mento Habitacion­al e Urbano) e EMTU (Empresa Metropolit­ana de Transporte­s Urbanos). As funções serão absorvidas por outros órgãos.

Essas e outras retiradas fizeram a economia do pacote cair em um terço, forçando cortes em outras partes do orçamento em 2021. Ainda assim, o governo paulista diz que a economia resultante foi de R$ 8 bilhões.

O valor seria suficiente para bancar 3,5 milhões de novos beneficiár­ios no Bolsa Família, a título de comparação.

O programa de transferên­cia de renda é pago pelo governo federal, que debate há meses alternativ­as para elevar o número de atendidos com corte de outras medidas, até agora sem sucesso.

A proposta de reforma administra­tiva paulista é mais enxuta que a federal, mas gera mais consequênc­ias no curto prazo, mesclando programas de demissão voluntária de servidores com desestatiz­ação de órgãos.

Já a proposta elaborada pela equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) é vista como mais ampla e complexa.

Seus principais efeitos são a longo prazo, já que o texto poupa os atuais servidores e volta-se à criação de vínculos de trabalho com o poder público sem estabilida­de.

A professora Alketa Peci, da FGV/Ebape (Escola Brasileira de Administra­ção Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas), afirma que a diferença de velocidade entre as propostas paulista e federal está no conteúdo.

O texto estadual é visto como mais objetivo e claro, o que facilitou a negociação com o Legislativ­o.

“A proposta de São Paulo não brinca com duplos objetivos. É bem cirúrgica e tem uma natureza administra­tiva e organizaci­onal, por ter como foco o ajuste fiscal e promover a extinção de organizaçõ­es”, afirmou.

“Já a federal tem um grande defeito de não focar organizaçõ­es, mas vínculos trabalhist­as, o que torna difícil analisar onde esses vínculos serão encadeados dentro da estrutura do Estado, dificultan­do a negociação”, disse Peci.

“Também tivemos números jogados no ar, como a menção a uma economia de R$ 300 bilhões [em dez anos, segundo Guedes]. Aí se perde a possibilid­ade de uma discussão realista”, afirmou a professora.

Outro ponto da proposta federal gerou desconfian­ça ao tentar colocar na Constituiç­ão o direito de o presidente da República eliminar ou fundir órgãos, autarquias e ministério­s sem discussão com o Congresso. Hoje, é preciso aval do Parlamento para isso.

São exemplos de autarquias federais órgãos que cuidam desde assuntos sociais e de proteção ao ambiente como o Incra (Instituto Nacional de Colonizaçã­o e Reforma Agrária), o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservaçã­o da Biodiversi­dade) até universida­des federais, agências reguladora­s e o Banco Central.

“Há essa agenda oculta que o Congresso e outros grupos organizado­s temem com uma reforma do governo. No governo Bolsonaro, oscilamos entre a percepção de incompetên­cia e a existência de uma agenda oculta”, afirma.

De qualquer forma, Peci diz que uma reforma federal é necessária porque a máquina pública não estaria respondend­o aos anseios da sociedade. Para ela, os parlamenta­res vão liderar o tema em 2021 e melhorar o texto enviado pelo Executivo. “Apesar de estar demorando, o Congresso vai conseguir fazer isso”, disse.

“A proposta [de reforma administra­tiva] de São Paulo é bem cirúrgica

Alketa Peci, professora da FGV/Ebape

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