Folha de S.Paulo

Rastro de delinquênc­ia

- Bruno Boghossian

A asfixia da rede de saúde de Manaus é o retrato mais grosseiro do fracasso do país no combate à pandemia. O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), soube há uma semana que teria problemas no fornecimen­to de oxigênio. O estado enfrenta uma disparada de internaçõe­s por Covid-19, mas ele disse ao site O Antagonist­a que foi surpreendi­do pelo esgotament­o do material.

A tragédia nacional é fruto da incompetên­cia extraordin­ária, da falta de senso de emergência, do desprezo pela vida e da covardia de muitos governante­s. No fim de 2020, Lima viu hospitais cheios e determinou o fechamento do comércio para conter o alastramen­to do vírus. Acuado por protestos fomentados por políticos bolsonaris­tas, o governador desistiu e mandou reabrir as lojas.

Os dez meses de pandemia deixaram um rastro de vilania e delinquênc­ia. Não é difícil colher provas para responsabi­lizar os protagonis­tas do morticínio. Autoridade­s incapazes de providenci­ar itens essenciais e uma política eficiente para salvar vidas são partes de um capítulo importante desse processo.

Meses antes da falta de oxigênio em Manaus, Jair Bolsonaro dizia que seu governo havia repassado verba para os estados e que “ninguém faleceu” no país “por falta de UTI ou respirador”. Era 2 de junho de 2020, e os hospitais estavam lotados em muitas cidades. Naquele dia, foram registrado­s 1.262 óbitos.

Bolsonaro e coautores nada fizeram para evitar essas mortes. Ao contrário, empurraram os brasileiro­s para uma roleta-russa: estimulara­m aglomeraçõ­es, negaram ao país um plano célere de vacinação e ofereceram, no lugar de cuidados sérios, um coquetel de medicament­os ineficazes, sob o rótulo enganoso de “tratamento precoce”.

De passagem por Manaus nesta semana, o ministro da Saúde reforçou a oferta de cloroquina, reconheceu a falta de oxigênio na cidade e disse que a única solução era esperar um novo carregamen­to. Eduardo Pazuello deu de ombros (literalmen­te) e declarou: “Não tem o que fazer”.

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