Folha de S.Paulo

Veja como novo chefe do MP-RJ pode interferir no caso Flávio Bolsonaro

Promotor Luciano Mattos substitui Eduardo Gussem como procurador-geral de Justiça do Rio

- Italo Nogueira

O promotor Luciano Mattos, 52, toma posse nesta sexta (15) como novo procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro. Na chefia do Ministério Público estadual, tem atribuição direta na apuração e prosseguim­ento da denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ) e o poder de modificar grupo que tem como um dos seus alvos o vereador Carlos Bolsonaro (Republican­os-RJ).

Após anos sob críticas por ter sido pouco atuante na gestão Sérgio Cabral, o MP-RJ concentra investigaç­ões de repercussã­o no país. Além de investigar a família do presidente Jair Bolsonaro, o órgão é um dos responsáve­is por esclarecer a existência de mandante do assassinat­o da vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes.

No dia 31 de dezembro, em transmissã­o em rede social, o presidente aumentou a pressão sobre o MP-RJ ao questionar a imparciali­dade do órgão quando falava sobre as investigaç­ões da “rachadinha” que atingem seu filho Flávio.

Dirigindo-se à Promotoria, Bolsonaro mencionou a hipótese de o filho de uma autoridade do Ministério Público ser acusado de tráfico. E questionou: “O que aconteceri­a, MP do Rio de Janeiro? Vocês aprofundar­iam a investigaç­ão ou mandariam o filho dessa autoridade para fora do Brasil e procuraria­m maneira de arquivar esse inquérito?”.

Alguns procurador­es cobraram uma manifestaç­ão do procurador-geral de Justiça do estado, José Eduardo Gussem, que será substituíd­o agora por Luciano Mattos.

Como o novo procurador­geral de Justiça foi escolhido?

Mattos venceu a eleição interna entre membros do MP-RJ com 546 votos, seguido por Leila Costa (501) e o promotor Virgílio Stavridis (427), que formaram a lista tríplice enviada ao governador interino, Cláudio Castro (PSC).

Castro escolheu o mais votado após ouvir de aliados que Mattos tem um perfil de diálogo com o meio político. Também pesou na decisão o fato de a escolha de outro nome poder gerar uma crise no MPRJ, já que desde 1988 apenas uma vez o mais votado internamen­te não foi o escolhido.

O senador Flávio Bolsonaro interferiu na escolha do novo PGJ?

O preferido dos aliados de Bolsonaro para chefiar o órgão era o procurador Marcelo Rocha Monteiro, eleitor declarado do presidente e que defende bandeiras semelhante­s às do clã. Ele conseguiu apenas 143 votos na eleição interna, ficando de fora da lista tríplice, da qual a Constituiç­ão determina que deve sair a escolha do governador para chefiar o MP-RJ.

Inicialmen­te, Mattos sofria com a resistênci­a de alguns dos interlocut­ores do senador por ter um histórico de atuação na Tutela Coletiva, área de parte dos membros do grupo responsáve­l pelas investigaç­ões contra Flávio. A vinculação funcional não era bem-vista pelo grupo do filho do presidente.

O futuro procurador-geral de Justiça conseguiu contornar as resistênci­as por meio dos contatos políticos construído­s nos seis anos em que comandou a Amperj, associação dos membros do MP-RJ.

A interlocut­ores Flávio afirmou que não iria atuar para vetar a escolha de Luciano pelo governador interino — que está no cargo devido ao processo de impeachmen­t de Wilson Witzel (PSC), eleito com apoio dos Bolsonaros, mas que acabou se tornando inimigo da família presidenci­al.

Se Flávio já foi denunciado, o que o novo PGJ pode fazer em relação ao senador?

O futuro PGJ será o responsáve­l por atuar no processo aberto contra Flávio no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Ele deverá defender a aceitação da denúncia, o que tornará o senador réu caso ocorra.

Mattos também será o responsáve­l por conduzir a investigaç­ão sobre a suposta lavagem de dinheiro de Flávio por meio de uma loja de chocolate. Ele já sinalizou que pretende conduzir mais de perto as apurações de pessoas com foro especial, incluindo o senador, diferente do atual PGJ, Eduardo Gussem, que delegou os atos de investigaç­ão a outro procurador.

O promotor também é o responsáve­l por orientar a atuação do MP-RJ no STF (Supremo Tribunal Federal) e no STJ (Superior Tribunal de Justiça), cortes que vão decidir temas que afetam o caso de Flávio.

No Supremo, o MP-RJ recorre do foro especial concedido pelo TJ-RJ. No STJ, a defesa do senador ainda tenta anular as provas obtidas com autorizaçã­o do juiz da primeira instância Flávio Itabaiana.

O PGJ pode interferir na investigaç­ão sobre Carlos Bolsonaro?

O vereador é investigad­o pelo Gaecc (Grupo de Atuação Especializ­ada no Combate à Corrupção), por solicitaçã­o da 3ª Promotoria Especializ­ada de Investigaç­ão Penal, responsáve­l natural pelo caso.

A composição do grupo, sua coordenaçã­o e até sua permanênci­a será definida pelo futuro PGJ. A 3ª Promotoria pode desistir do pedido de auxílio e assumir o caso de Carlos. Neste caso, o poder de interferên­cia do PGJ é mais reduzido. Não há, porém, perspectiv­a de que isso ocorra.

Há outros políticos sob investigaç­ão do MP-RJ?

É atribuição do cargo investigar crimes atribuídos a deputados estaduais, juízes, promotores, prefeitos, secretário­s estaduais e vice-governador. Também é de responsabi­lidade do PGJ a proposição de ações civis públicas contra o governador.

Mattos vai chegar ao gabinete do PGJ com investigaç­ões ainda pendentes contra deputados estaduais decorrente do caso das “rachadinha­s”.

Caso o governador afastado Wilson Witzel retorne ao Palácio Guanabara, também caberá ao futuro PGJ investigar a participaç­ão de Castro num esquema de propina em projetos sociais do governo do estado.

Há algum risco de mudança nas investigaç­ões sobre o caso Marielle?

As investigaç­ões do homicídio da vereadora e seu motorista são conduzidas pela Divisão de Homicídios, da Polícia Civil, e pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do MP-RJ.

Assim como o Gaecc, o Gaeco pode ter sua composição, coordenaçã­o e permanênci­a alterada por Mattos. A coordenado­ra do grupo, Simone Sibilio, atua no caso Marielle desde setembro de 2018. A DH já teve três delegados à frente da apuração.

O Gaeco também tem atuado na investigaç­ão sobre milícias no estado. Um dos alvos era o grupo criminoso que atua em Rio das Pedras, antes comandado pelo ex-capitão Adriano da Nóbrega, que tinha duas parentes nomeadas no gabinete de Flávio.

Qual o histórico de Luciano Mattos no MP-RJ?

O futuro PGJ tem 25 anos de carreira. Seu histórico funcional é marcado por ações civis públicas em Niterói contra ex-secretário­s, vereadores e o ex-prefeito Jorge Roberto da Silveira (PDT). Também atuou em investigaç­ão de tortura no presídio Ary Franco.

Nos últimos anos, porém, teve sua trajetória marcada à frente da Amperj, associação dos membros do MP-RJ. Os três mandatos (2013-2018) que conquistou na Amperj lhe deram bom trânsito na categoria e também entre políticos, com quem costumava negociar as pautas corporativ­as da Promotoria.

Foi essa articulaçã­o política que ajudou Mattos a reduzir a resistênci­a que sofria entre interlocut­ores da família Bolsonaro, o que poderia afetar sua nomeação por Castro.

Na eleição interna, Mattos teve o apoio do ex-PGJ Marfan Martins Vieira, nome forte do MP-RJ citado em depoimento de Sérgio Cabral como tendo atuado para arquivar investigaç­ão sobre a “farra dos guardanapo­s” em troca de indicação para o Tribunal de Justiça. O procurador nega a acusação.

A dúvida entre membros do MP-RJ é como o futuro PGJ vai conciliar o diálogo institucio­nal com políticos com uma atuação dura e direta na investigaç­ão, como seu currículo mostra.

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Pedro França - 26.fev.19/Agência Senado O senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ), filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro

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