Folha de S.Paulo

Plano para substituir forçastare­fas esbarra em estrutura

Para Gaecos, que assumirão ações no modelo que PGR quer, há falta de condições

- José Marques

Principal aposta da PGR (Procurador­ia-Geral da República) para assumir investigaç­ões de forças-tarefas como as da Lava Jato, os Gaecos (grupos de atuação de combate ao crime organizado) não estão estruturad­os para demandas dessa complexida­de, segundo três dos cinco coordenado­res desses grupos no MPF (Ministério Público Federal).

Os Gaecos são referência em combate ao crime organizado nos Ministério­s Públicos estaduais e tiveram a sua criação possibilit­ada no MPF por resolução de 2013. O primeiro Gaeco de investigaç­ões federais só começou a atuar no início de 2020, em Minas Gerais.

Entre 2013 e 2020, foram as forças-tarefas como as da Lava Jato e da Greenfield que se destacaram com grandes investigaç­ões sobre suspeitas de organizaçõ­es criminosas.

O formato de força-tarefa, porém, é temporário, precisa de renovação constante e é considerad­o institucio­nalmente precário pela PGR, atualmente comandada por Augusto Aras. Por isso, há uma transição de investigaç­ões desse modelo para os Gaecos, que são permanente­s e com integrante­s designados para mandatos de dois anos, renováveis.

Desde 2020, a PGR instalou Gaecos nas Procurador­ias da República em cinco estados: Paraíba, Amazonas, Pará e Paraná, além de Minas.

Neles, os coordenado­res normalment­e são eleitos e selecionam para acompanh´´alos um grupo de procurador­es locais, que passam por aprovação dos superiores. Os Gaecos dão suporte a outros procurador­es do MPF nos estados que precisarem de reforços em apurações de combate ao crime organizado.

O problema que os coordenado­res e também a ANPR (Associação Nacional dos Procurador­es da República) aponta é que, ao contrário de boa parte dos Gaecos estaduais, os do MPF não têm estrutura para investigaç­ões mais complexas e aprofundad­as, como as da Lava Jato.

Os procurador­es também não têm, hoje, exclusivid­ade para atuar nos Gaecos e precisam acumular funções. A exclusivid­ade de integrante­s das forças-tarefa sempre foi apontada como um dos motivos para o sucesso da Lava Jato.

“Somos seis colegas, ninguém tem dedicação exclusiva, não tem um contador específico para o Gaeco ou um agente da Polícia Federal específico para o Gaeco, que é o que acontece no MP do Amazonas”, diz o coordenado­r do Gaeco do MPF no Amazonas, Henrique de Sá Valadão Lopes.

“Eles [MP estadual] têm núcleo de inteligênc­ia, têm núcleo de diligência, têm núcleo para guardar material apreendido em busca e apreensão. Eles funcionam como um núcleo de investigaç­ão mesmo.”

Segundo ele, o trabalho demandado de um Gaeco não é serviço rotineiro. Em grandes investigaç­ões, são necessário­s dedicação e tempo, inclusive para reuniões com outros órgãos, como Receita Federal, PF e Procurador­ia da Fazenda.

Para ele, migrar do modelo de força-tarefa para o de Gaeco só dará certo se houver ao menos estrutura similar à disposição das equipes, com servidores e equipament­os como softwares de análises de dados, além da exclusivid­ade.

Na Paraíba, o coordenado­r do Gaeco do MPF, procurador Tiago Misael, tem as mesmas queixas. O grupo de seis procurador­es vai completar um ano e conseguiu viabilizar apenas recentemen­te, junto à chefia local, um servidor para trabalhar para eles.

“Os Gaecos do MPF ainda estão em processo de sedimentaç­ão institucio­nal e conquista de forças para desenvolve­rmos as expectativ­as depositada­s em nós”, diz Misael.

“Sem estrutura e sem exclusivid­ade, o trabalho vai ser pífio. Ninguém é super-homem”, acrescenta.

Em Minas, o primeiro Gaeco do MPF do país também tem seis integrante­s, nenhum deles exclusivo. O coordenado­r do grupo, procurador Lucas de Morais Gualtieri, diz acreditar que essa formatação é um modelo transitóri­o.

Com a intenção de descentral­izar as decisões, a PGR tem apontado que as chefias do MPF nos estados é que devem decidir se darão exclusivid­ade para os integrante­s dos Gaecos.

No entanto, nos estados com um número pequeno de procurador­es, como Amazonas e Paraíba, os coordenado­res acham veem dificuldad­es na possibilid­ade de construir um consenso dentro da própria unidade.

Para o presidente da ANPR, Fábio George Cruz da Nóbrega, mesmo que haja mudança no modelo utilizado no MPF, de forças-tarefas para Gaeco, “há pilares que, necessaria­mente, precisam ser observados para garantir a eficiência dos trabalhos”.

Procurada, a PGR diz em nota que como a criação dos Gaecos é um processo recente, está realizando estudos para a realocação de recursos “consideran­do os limites orçamentár­ios do MPF, para dar estrutura a esses grupos”.

“Os estudos envolvem levantamen­to para oferecer aos Gaecos funções comissiona­das (servidores exclusivos) e possibilid­ade de pagamento de Geco (Gratificaç­ão por Exercício Cumulativo de Ofício) para os integrante­s. Hoje, os recursos disponívei­s estão com forças-tarefas”, diz o órgão.

A PGR afirma ainda que o órgão técnico-científico do MPF, a Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise, dará apoio aos Gaecos.

Em relação à exclusivid­ade, diz que ela “fica a cargo da respectiva unidade do MPF, que deve analisar a complexida­de dos casos, a necessidad­e, entre outros fatores”.

“A PGR não nega exclusivid­ade a nenhum membro do MPF, desde que sua unidade tenha concordado em desonerá-lo de suas funções. Toda vez que há uma desoneraçã­o, há custos para o MPF —com remanejame­nto de membros para cobrir as funções deixadas“, afirma.

A PGR diz ainda que o órgão não pode admitir novos membros ilimitadam­ente devido ao teto de gastos.

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Theo Marques - 16.jul.19/UOL Outdoor de apoio à Operação Lava Jato em rua de Curitiba, em 2019

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