Folha de S.Paulo

Antes exemplo na luta contra Covid, Uruguai vê alta recorde de casos

- Sylvia Colombo

De exemplo na região durante o enfrentame­nto da pandemia do coronavíru­s, o Uruguai vive agora situação alarmante: aumento exponencia­l dos casos, transmissã­o comunitári­a do vírus, recorde de mais de mil contágios num dia e nenhum acordo concretiza­do para compra de vacinas.

Segundo o Ministério da Saúde, a taxa de positivida­de aumentou de 9,49% para 13,66% —a mais alta desde o início da crise.

Enquanto isso, o presidente Luis Lacalle Pou passa os fins de semana no balneário de elite de La Paloma, onde tem casa e tem sido visto com frequência nas últimas semanas praticando surfe.

“Houve uma mudança muito grande entre os primeiros seis meses da pandemia e os dias de hoje. Tanto em termos de comportame­nto do vírus como das medidas sanitárias adotadas pelo governo”, diz à Folha o sociólogo Eduardo Botinelli, diretor do instituto de pesquisas Factum.

Segundo ele, a estratégia inicial de localizar o vírus e isolar os infectados e seus contatos funcionou bem porque a maioria dos casos era importado do Brasil ou da Argentina. Além disso, era inverno, e parecia mais fácil para a população cumprir as orientaçõe­s de isolamento sugeridas pelo governo.

O presidente se envolveu pessoalmen­te na comunicaçã­o das medidas de precaução e ia à televisão fazer pronunciam­entos frequentes.

Hoje, é diferente. A transmissã­o do vírus já é comunitári­a —ou seja, circula sem que seja possível identifica­r a origem dos casos. Isso faz com que a implementa­ção das “bolhas sanitárias”, como se conhece a estratégia de isolar contagiado­s e seus contatos, já não baste.

“Além disso, chegou o verão, e há uma sensação de que a pandemia está vencida. Em Montevidéu, onde está a maioria dos casos, as pessoas passaram a sair mais, ir a bares e restaurant­es, já que a quarentena nunca foi obrigatóri­a”, aponta Botinelli.

Os profission­ais de saúde se preocupam agora com a volta das pessoas que vivem na capital e foram passar férias no litoral, onde estiveram em aglomeraçõ­es nas praias, bares e festas.

Lacalle Pou também deixou de aparecer com frequência e de comunicar sobre a seriedade da pandemia.

Para Botinelli, ele foi pego de surpresa, confiante de que o vírus tinha sido vencido. O governo havia iniciado uma conversa com a Covax, consórcio da Organizaçã­o Mundial de Saúde que acompanha estudos de potenciais vacinas, e o Ministério da Saúde chegou a anunciar que começaria a vacinar em abril.

Quando Chile e Argentina começaram a aplicar as vacinas, o governo uruguaio recebeu muitas críticas. “Houve pressão da oposição e da sociedade. Agora o governo está apressando acordos com outros laboratóri­os, mas a verdade é que, por enquanto, não temos nada”, diz Bottinelli.

Enquanto o presidente ia à praia no domingo, o país bateu o recorde de casos de infecção: 1.212 registros em 24 horas. “Estamos em negociaçõe­s e avaliando as melhores vacinas disponívei­s. Nos próximos dias faremos anúncios importante­s sobre isso”, disse ele na segunda-feira.

Afirmou ainda que o Uruguai terá um plano de vacinação “ambicioso”, que pretende imunizar 600 mil pessoas por mês —a população do país é de 3,4 milhões.

O aumento dos casos vinha sendo notado desde setembro, embora não nessa escala. Por isso, o Uruguai decidiu não abrir suas fronteiras para a temporada de verão, o que gera duro golpe à economia, pois os balneários atraem muitos visitantes da Argentina e do Brasil e o turismo responde por 3% do PIB.

Em dezembro, o governo fechou as fronteiras do país inclusive para uruguaios que não tinham passagem de volta. A medida valeria até 10 de janeiro, mas foi estendida até o fim do mês. O transporte em barcos entre Montevidéu e Buenos Aires, que funcionou durante a pandemia para quem tinha dupla residência, foi suspenso.

Segundo a Universida­de Johns Hopkins, o país já tem 28.475 contagiado­s e 275 mortes. A maioria dos casos se concentra em Montevidéu, mas, nas últimas semanas, houve aumento de contágios em Maldonado (onde fica Punta Del Este) e Rocha, que tem várias praias da moda.

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