Antes exemplo na luta contra Covid, Uruguai vê alta recorde de casos
De exemplo na região durante o enfrentamento da pandemia do coronavírus, o Uruguai vive agora situação alarmante: aumento exponencial dos casos, transmissão comunitária do vírus, recorde de mais de mil contágios num dia e nenhum acordo concretizado para compra de vacinas.
Segundo o Ministério da Saúde, a taxa de positividade aumentou de 9,49% para 13,66% —a mais alta desde o início da crise.
Enquanto isso, o presidente Luis Lacalle Pou passa os fins de semana no balneário de elite de La Paloma, onde tem casa e tem sido visto com frequência nas últimas semanas praticando surfe.
“Houve uma mudança muito grande entre os primeiros seis meses da pandemia e os dias de hoje. Tanto em termos de comportamento do vírus como das medidas sanitárias adotadas pelo governo”, diz à Folha o sociólogo Eduardo Botinelli, diretor do instituto de pesquisas Factum.
Segundo ele, a estratégia inicial de localizar o vírus e isolar os infectados e seus contatos funcionou bem porque a maioria dos casos era importado do Brasil ou da Argentina. Além disso, era inverno, e parecia mais fácil para a população cumprir as orientações de isolamento sugeridas pelo governo.
O presidente se envolveu pessoalmente na comunicação das medidas de precaução e ia à televisão fazer pronunciamentos frequentes.
Hoje, é diferente. A transmissão do vírus já é comunitária —ou seja, circula sem que seja possível identificar a origem dos casos. Isso faz com que a implementação das “bolhas sanitárias”, como se conhece a estratégia de isolar contagiados e seus contatos, já não baste.
“Além disso, chegou o verão, e há uma sensação de que a pandemia está vencida. Em Montevidéu, onde está a maioria dos casos, as pessoas passaram a sair mais, ir a bares e restaurantes, já que a quarentena nunca foi obrigatória”, aponta Botinelli.
Os profissionais de saúde se preocupam agora com a volta das pessoas que vivem na capital e foram passar férias no litoral, onde estiveram em aglomerações nas praias, bares e festas.
Lacalle Pou também deixou de aparecer com frequência e de comunicar sobre a seriedade da pandemia.
Para Botinelli, ele foi pego de surpresa, confiante de que o vírus tinha sido vencido. O governo havia iniciado uma conversa com a Covax, consórcio da Organização Mundial de Saúde que acompanha estudos de potenciais vacinas, e o Ministério da Saúde chegou a anunciar que começaria a vacinar em abril.
Quando Chile e Argentina começaram a aplicar as vacinas, o governo uruguaio recebeu muitas críticas. “Houve pressão da oposição e da sociedade. Agora o governo está apressando acordos com outros laboratórios, mas a verdade é que, por enquanto, não temos nada”, diz Bottinelli.
Enquanto o presidente ia à praia no domingo, o país bateu o recorde de casos de infecção: 1.212 registros em 24 horas. “Estamos em negociações e avaliando as melhores vacinas disponíveis. Nos próximos dias faremos anúncios importantes sobre isso”, disse ele na segunda-feira.
Afirmou ainda que o Uruguai terá um plano de vacinação “ambicioso”, que pretende imunizar 600 mil pessoas por mês —a população do país é de 3,4 milhões.
O aumento dos casos vinha sendo notado desde setembro, embora não nessa escala. Por isso, o Uruguai decidiu não abrir suas fronteiras para a temporada de verão, o que gera duro golpe à economia, pois os balneários atraem muitos visitantes da Argentina e do Brasil e o turismo responde por 3% do PIB.
Em dezembro, o governo fechou as fronteiras do país inclusive para uruguaios que não tinham passagem de volta. A medida valeria até 10 de janeiro, mas foi estendida até o fim do mês. O transporte em barcos entre Montevidéu e Buenos Aires, que funcionou durante a pandemia para quem tinha dupla residência, foi suspenso.
Segundo a Universidade Johns Hopkins, o país já tem 28.475 contagiados e 275 mortes. A maioria dos casos se concentra em Montevidéu, mas, nas últimas semanas, houve aumento de contágios em Maldonado (onde fica Punta Del Este) e Rocha, que tem várias praias da moda.