Vacinação ampla passa por psicologia, dizem cientistas
Acesso fácil, relatos e ‘remorso antecipado’ são armas para maior imunização
Aumentar a porcentagem de pessoas imunizadas contra Covid-19 para atingir a proteção coletiva vai além de seringas e ampolas; depende de psicologia, afirmam cientistas de várias das principais universidades do mundo, que multiplicaram no último ano estudos sobre o efeito do comportamento na saúde pública.
“A aceitação de vacinas nesta pandemia é um desafio inédito”, dizem os cientistas em relatório recém-publicado do grupo de consultoria técnica em percepções e ciências comportamentais para a saúde da OMS, e a dificuldade não é só a necessidade de vacinar a maior parte da população.
Também são complicadores o fato de que alguns imunizantes usam tecnologia inédita (o que pode trazer obstáculos antes desconhecidos) e o de que, entre os grupos prioritários que precisam ser protegidos contra o Sars-Cov-2 estão pessoas que normalmente não são alvos de campanhas de vacinação —adultos com doenças preexistentes ou mesmo profissionais da linha de frente da saúde.
“O principal erro dos governos é pensar nos esforços de vacinação apenas e principalmente como uma campanha”, diz Cass Sunstein, que lidera o grupo consultivo da OMS. Diretor do programa de economia comportamental e políticas públicas da escola de direito de Harvard, Sunstein foi um dos principais conselheiros de Barack Obama.
As estratégias escolhidas pelo governo podem fazer a diferença entre alcançar ou não a chamada imunidade de rebanho —porcentagem de pessoas que precisam ser imunizadas para controlar o contágio. No caso da Covid-19, cientistas estimam que ela esteja em torno de 70%, mas, em alguns países, a parcela de pessoas dispostas a se imunizar fica abaixo desse mínimo.
Pesquisa de universidades da Espanha, dos EUA e do Reino Unido, publicada na revista científica Nature em outubro de 2020, indicou que, na média de 19 países, 7 em cada 10 se disseram ao menos um pouco propensos a aceitar uma vacina “comprovada, segura e eficaz”. A adesão, porém, varia muito de país para país: é de 89% na China, mas não chega a 55% na Rússia.
A pesquisa ouviu 13.426 pessoas, em amostras aleatórias, em junho de 2020. Os números devem ser entendidos como um retrato daquele momento, porém, e a opinião pública pode mudar, dizem os autores. “Ativistas antivacina fazem campanha em vários países e alguns chegam a negar até a existência da Covid-19.”
É essa uma das metas de Sunstein. “Seja Covid, saúde sexual, fumo ou outras questões de saúde, o comportamento humano está sempre na raiz”, disse ele ao assumir o grupo da OMS. No último mês, a organização publicou um relatório sobre como usar a ciência comportamental para ampliar a cobertura vacinal.
Um dos fatores mais importantes é criar a estrutura que os especialistas chamam de East (acrônimo em inglês de fácil, atraente, social e oportuna), afirmou Sunstein à Folha. “Se você puder tomar a vacina em um curto espaço de tempo, sem nenhum custo, na farmácia do bairro, crescem as chances de ser vacinado.”
Essas são medidas que aumentam a adesão principalmente dos não resistentes, que precisam de empurrão para passar da intenção à ação. Já para os que receiam tomar a vacina, outras intervenções podem ser necessárias, como tornar a imunização requisito para viagens ou acesso a benefícios, emprego ou educação.
“São medidas notavelmente eficazes quando intervêm diretamente no comportamento, sem tentar mudar os pensamentos e sentimentos dos indivíduos”, afirma trabalho liderado pelo especialista em comportamento de saúde Noel Brewer, da Universidade da Carolina do Norte.
Os pesquisadores examinaram estudos em psicologia, saúde pública, medicina, enfermagem, sociologia e economia comportamental. Eles ressalvam que as pesquisas sobre comportamento de vacinação ainda são limitadas em qualidade ou quantidade.
O estudo aponta como fundamental disseminar a compreensão sobre as vacinas antes que as pessoas desenvolvam falsas crenças, “que, uma vez estabelecidas, podem ser difíceis de corrigir”. A porcentagem dos que recusam completamente os imunizantes é diminuta (de 1% a 2% em países de alta renda, segundo estudos recentes), mas os ativistas antivacina radicais fazem barulho e obtêm visibilidade.
O grupo de Brewer diz que, embora ainda não tenham sido bem estudados os mecanismos pelos quais os antivaxxers influenciam outras pessoas, a linguagem parece ter importância. “Em termos mais simples, eles contam uma boa história, em geral em primeira pessoa, enquanto as mensagens de fontes oficiais tendem a ser factuais, enigmáticas e esquecíveis.”
Estudos psicológicos indicam que anedotas sobre um indivíduo influenciam mais que estatísticas sobre grandes populações, observa o trabalho americano. Para ter impacto, a comunicação oficial pró-vacina precisa ser clara, emocionar e contar histórias fáceis de lembrar.
A ciência explica essa batalha: um dos fatores psicológicos que afetam as decisões humanas é o “remorso antecipado”, o medo de se arrepender depois. Para agir a favor da vacinação, é preciso reforçar que as pessoas podem se arrepender se evitarem a injeção e depois adoecerem ou infectarem alguém próximo.
Outra estratégia, sugere Sunstein, é empregar “validadores” confiáveis —líderes religiosos ou comunitários, artistas, esportistas—, que podem exercer credibilidade sobre os que estão preocupados com os riscos das vacinas. O grupo consultivo da OMS sugere que os governos tratem com antecipação e transparência as incertezas sobre os imunizantes e os eventuais efeitos indesejados.
Além disso, diz Sunsfield, será crucial acompanhar a imunização em curso, para estudar as diferentes estratégias e seus impactos. “É um grande erro não aprender em tempo real sobre o que funciona e o que não funciona. É importante e salvará vidas se os funcionários criarem uma cultura de aprendizagem e escuta”.,