Eleição em Uganda marca conflito de gerações entre cantor pop e ditador
De um lado, um ditador há 35 anos no poder e que almeja o sexto mandato consecutivo. De outro, um famoso cantor que personifica os anseios de uma geração que nunca viveu sob outra liderança política.
A disputa presidencial em Uganda opõe o atual titular do cargo, Yoweri Museveni, 76, e o desafiante Bobi Wine, 38. Ambos representam projetos políticos distintos e disputaram, nesta quinta (14), os votos de quase 18 milhões de eleitores no país onde cerca de 75% da população tem menos de 30 anos.
Para Museveni, só seu governo pode garantir estabilidade e progresso, enquanto Wine seria um novato qualquer apoiado por governos estrangeiros e homossexuais —o ditador já deu declarações homofóbicas e, em Uganda, ainda é crime ser LGBT. Bobi Wine —nome artístico de Robert Kyagulanyi Ssentamu—, por sua vez, considera o adversário um ditador que não consegue solucionar desemprego, corrupção e aumento da dívida pública.
As filas formadas nos locais de votação eram crescentes em Campala, capital de Uganda e um dos redutos da oposição. Mas a presença de policiais, soldados e outros agentes de forças de segurança do país deixou claro que o clima para o pleito não era de “festa da democracia”.
A campanha eleitoral foi particularmente violenta e marcada por dezenas de mortes, prisões e repressões a comícios de opositores sob o pretexto de descumprimento das regras de isolamento para impedir o avanço do coronavírus. Enquanto isso, Museveni gozou de ampla visibilidade na mídia.
“Se você tentar perturbar a paz, terá de culpar a si mesmo. As forças de segurança, seguindo a lei, estão prontas para lidar com qualquer encrenqueiro”, disse Museveni, vestido com jaqueta militar na TV, nesta semana.
Quando o carro de Wine chegou à sua seção eleitoral, cercado por seguranças em uniformes pretos, coletes à prova de balas e capacetes, seus apoiadores dançaram e aplaudiram, mas acabaram expulsos pela polícia. “Continuo encorajando os ugandenses a votarem”, afirmou Wine, nesta quinta, depois de depositar sua cédula em um dos pontos de votação em Magere, ao norte de Campala.
As urnas foram fechadas oficialmente às 16h no horário local (10h em Brasília), mas os eleitores que estavam nas filas receberam permissão para votar depois do prazo. Em ao menos dois pontos da capital havia grupos de até cem pessoas aguardando para votar após o limite inicial.
Mesmo após o fim da votação, centenas de apoiadores de Wine na capital voltaram às suas seções para atender ao apelo do opositor de “proteger o voto”, observando a contagem, que é feita de maneira pública. A expectativa é a de que o resultado seja divulgado até este sábado (16).
A cada cédula contabilizada a favor de Wine, a multidão cantava e aplaudia. Quando o voto era para o ditador, imperava o silêncio. Nas redes sociais, também é o silêncio que predomina desde que o governo de Museveni ordenou a proibição de plataformas como Facebook, Twitter e WhatsApp e, depois, um bloqueio mais amplo a empresas de telecomunicações.
Os atos, segundo o próprio Museveni, foram uma resposta ao bloqueio feito pelo Facebook, na segunda-feira (11), de uma rede de contas ligadas ao Ministério da Informação de Uganda. Segundo a plataforma, os perfis eram falsos e tentavam manipular o debate público e influenciar as intenções de voto.
A ação autoritária não ajuda a aumentar a popularidade do longevo líder ugandense entre os mais jovens. “Durante anos, os líderes deste país disseram que iriam ‘garantir meu futuro’, mas não garantiram”, disse Joseph Nsuduga, 30, sobre o slogan da campanha de Museveni. “Agora quero mudança para meus filhos.”
Há também quem apoie o ditador, e, segundo analistas, ele é o favorito. “Museveni é meu candidato”, disse a empresária Ceria Makumbi, 52, logo depois de depositar sua cédula na urna. “Porque deu estabilidade ao país e promoveu educação primária, universidades gratuitas, construiu hospitais e estradas.”