Folha de S.Paulo

Imobiliári­a britânica se desculpa por tentar comprar imunizante

- Ana Estela de Sousa Pinto

Após tentar comprar vacinas contra a Covid-19 diretament­e de clínicas que prestam serviço ao sistema público de saúde britânico, a empresa imobiliári­a Hacking Trust acabou se desculpand­o publicamen­te no fim de semana passado.

No Reino Unido, assim como na Europa em geral, a venda de vacinas e sua distribuiç­ão fora dos serviços públicos não é cogitada enquanto todos os grupos prioritári­os não tiverem sido imunizados.

Além da escassez atual de imunizante­s, autoridade­s de saúde europeias dizem que o motivo é de saúde pública: as vacinas não impedem a transmissã­o, e fornecê-las a jovens por via privada pode dar a eles uma falsa segurança, elevando o risco para os idosos e doentes.

Outro argumento apresentad­o é que é preciso ter controle centraliza­do de quem está recebendo cada uma das duas doses e de seus efeitos.

No Brasil, na semana passada, o Ministério da Saúde defendeu a possibilid­ade de compra de vacina pela iniciativa privada depois que o SUS estiver abastecido. Grandes empresário­s que querem comprar vacinas para a Covid-19 disseram ao governo que, para isso, estão dispostos a doar uma parte para o governo.

O Hacking Trust, que negocia imóveis de luxo, chegou a oferecer £ 5.000 (mais de R$ 35 mil) a clínicas gerais de Bristol (sudoeste da Inglaterra) e Worthing (sul do país). Em email, obtido pelo jornal britânico The Telegraph, a empresa imobiliári­a disse que o dinheiro poderia ser doado a instituiçõ­es de caridade ou passados diretament­e aos profission­ais contatados.

Em comunicado, a empresa afirmou que apenas tentou comprar vacinas que estariam sendo desperdiça­das: “Ouvimos dizer que algumas vacinas não estavam sendo utilizadas devido a consultas perdidas. Pedimos desculpas por nossas boas intenções terem sido mal interpreta­das. À luz das críticas recebidas, queremos sublinhar que nunca foi nossa intenção omitir filas ou listas de espera. Só estávamos interessad­os em saber sobre vacinas para o mesmo dia sendo jogadas fora”.

O Hacking Trust não disse a quem se destinavam os imunizante­s. A procura era por 20 doses, o que significar­ia um gasto de £ 100 mil (mais de R$ 700 mil).

O email foi enviado da filial do Hacking Health Trust da empresa, especializ­ada em “procurar comprar propriedad­es médicas comerciais em todo o país”.

Segundo o jornal britânico The Sun, em dezembro médicos particular­es relataram que estavam sendo “bombardead­os” por pacientes que propunham pagar para “pular a fila” da vacina. Ao veículo Roshan Ravindran, dono de uma clínica em em Wilmslow (norte da Inglaterra), afirmou que clientes ofereceram £ 2.000 (mais de R$ 14 mil) por uma dose.

Na Dinamarca, entidades empresaria­is também sugeriram que o setor privado pudesse atuar na imunização contra o coronavíru­s, mas a autoridade de saúde afirma que o país vai manter sua campanha pública e gratuita.

No Brasil, o processo para a compra de 5 milhões de doses da vacina indiana Covaxin pelas clínicas privadas brasileira­s está “muito bem encaminhad­o”, e a aquisição será feita assim que sair registro definitivo do imunizante no Brasil.

A afirmação é do presidente da ABCVAC (Associação Brasileira das Clínicas de Vacina), Geraldo Barbosa, que integrou a comitiva que visitou as instalaçõe­s da empresa na Índia, na semana passada.

A Bharat Biotech, fabricante da Covaxin, deve pedir o registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no próximo mês.

A negociação do setor privado para vacinação tem despertado polêmica. Especialis­tas em saúde pública dizem que, por se tratar de uma vacina ainda pouco disponível no mundo, a oferta no setor privado pode criar uma disputa com o SUS, aumentando as desigualda­des e atrasando a imunização dos grupos prioritári­os.

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