Após fracasso de Bolsonaro, país depende da Coronavac
Índia nega envio imediato de vacinas, e ministério vai ao Butantan, que exige plano de distribuição
O governo da Índia negou a entrega imediata de um lote de imunizantes contra a Covid-19 da Oxford/AstraZeneca ao Brasil, frustrou operação montada para buscar o material neste fim de semana e precipitou uma derrota política de Jair Bolsonaro.
O início da vacinação no país resta com a Coronavac, trunfo do governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
Na noite de quinta (14), o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ligou para o chanceler da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, e fez um último apelo pela liberação dos dois milhões de doses. Seria um adiantamento da vacina que posteriormente a Fiocruz produzirá —aposta do presidente na disputa que trava com Doria, adversário em 2022.
Bolsonaro chegou a estimar o atraso em dois ou três dias. O laboratório do Rio, porém, já projeta receber o fármaco apenas em março.
O Ministério da Saúde então pediu 6 milhões de doses de Coronavac ao Butantan, que requisitou o plano de uso para separar a parte de São Paulo. A pasta negou. O caso deve acabar na Justiça.
brasília e são paulo O governo da Índia negou a entrega imediata de um lote de imunizantes contra a Covid-19 da Oxford/AstraZeneca ao Brasil, o que frustrou uma operação montada para buscar o material no país asiático ainda neste fim de semana e deve resultar numa derrota política para o Palácio do Planalto.
Com o veto da Índia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) corre o risco de assistir ao início da vacinação no Brasil coma Coronavac, que tem sido utilizada como trunfo do governador de São Paulo, João Doria (PSDB).
Na noite de quinta (14), o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ligou para o chanceler da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, e fez um último apelo pela liberação de 2 milhões de vacinas produzidas pelo Serum Institute.
O lote seria um adiantamento do imunizante que será produzido pela Fio cruz( Fundação Oswald oC ruz) equeéa grande aposta do governo Bolsonaro na “guerra da vacina” travada com Doria.
No entanto, Araújo ouviu de seu homólogo que a situação só seria resolvida “nos próximos dias”, o que foi entendido no Itamaraty como uma sinalização de que não haverá liberação no prazo desejado pelo Brasil. Não houve compromisso com uma data específica.
O argumento do país asiático é quen ãoépossíve lauto rizar a transação enquanto não começara campanha de vacinação na sua própria população.
A conversa frustrou os planos de Bolso n arode envia ruma vi ãoàÍnd iapa rabuscara carga. A aeronave da Azul está pronta no Recife (PE), mas permanecerá em solo enquanto não houver luz verde de Nova Déli.
O telefonema de Araújo foi o segundo contato de alto nível que o Brasil fez coma Índia par atentar liberara vendado lote. Na sexta (8), Bolsonaro enviou uma carta ao premiê indiano, Narendra Modi, pedindo urgência e ajuda para que a entrega fosse liberada.
O governo prometia a parti dada aeronave para anoite desta sexta (15), com retorno previsto para o domingo (17).
Em entrevista à rede Bandeirantes, Bolsonaro admitiu que a operação seria atrasada.
“Foi tudo acertado para disponibilizar 2 milhões de do
ses. Só que hoje, neste exato momento, está começando a vacinação na Índia, um país de 1,3 bilhão de habitantes. Então resolveu-se aí, não foi decisão nossa, atrasar um ou dois dias até que o povo comece a ser vacinado lá, porque lá também tem pressões políticas de um lado e de outro. Isso daí, no meu entender, daqui dois, três dias no máximo nosso avião vai partir e vai trazer essas 2 milhões de vacinas para cá”, afirmou o presidente.
Apesar da fala, interlocutores ouvidos pela Folha destacaram que não há como saber quando a Índia permitirá o envio das vacinas. A expectativa mais realista é a de que o lote seja liberado no começo da semana que vem.
O posicionamento das autoridades da Índia gerou decepção entre aliados de Bolsonaro, que preparavam estratégia para tentar mostrar liderança do governo federal no tema.
Estava sendo organizado um evento no Palácio do Planalto na terça (19) em alusão ao começo da vacinação. Seria uma oportunidade para Bolsonaro rebater as críticas de que o governo federal cometeu erros no planejamento da vacinação contra a Covid-19.
A cerimônia foi desmarcada.
Caso a Anvisa dê o aval para uso emergencial das duas vacinas —decisão que será tomada neste domingo (17)—, a expectativa do governo é desencadear a vacinação dos grupos prioritários em 20 de janeiro, mas a data foi colocada por assessores presidenciais antes do impasse com a Índia. Publicamente, autoridades do governo têm dito que a vacina usada no início será a que primeiro tiver a certificação da Anvisa.
Em nota, o ministério disse que aguarda aprovação, “por parte da Anvisa, de uma ou mais vacinas para poder anunciar a data oficial de início da vacinação. Estima-se que a imunização começará até 5 dias após este aval”.
Sem o lote de vacinas da Índia, o ministério enviou, nesta sexta (15), ofício ao Instituto Butantan pedindo a entrega imediata de 6 milhões de doses da Coronavac.
“Solicitamos os bons préstimos para disponibilizar a entrega imediata das seis milhões de doses importadas e que foram objeto do pedido de autorização de uso emergencial perante a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. Ressaltamos a urgência
na imediata entrega [...], tendo em vista que este ministério precisa fazer o devido loteamento para iniciar a logística de distribuição para todos os estados da federação de maneira simultânea e equitativa”, diz trecho do ofício.
A Coronavac está no centro de uma disputa entre Bolsonaro e Doria que ficou conhecida como “guerra da vacina”. No ano passado, o presidente garantiu a apoiadores que não compraria a “vacina chinesa de João Doria”. No entanto, após reação de governadores, o ministério incluiu a Coronavac no plano nacional de vacinação e anunciou a compra de 100 milhões de doses.
O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, diz que o país tem garantidas 212 milhões de doses da Oxford/AstraZeneca. A diferença é que ainda não há estoque da vacina da Fiocruz no Brasil.
O Instituto Butantan respondeu ao ultimato afirmando que não teria como entregar os 6 milhões de doses porque não há um plano para distribuí-las entre os estados.
Ao mesmo tempo em que enviava o ofício, o ministério estava em reunião com secretários estaduais de Saúde.
A expectativa era a de que fossem especificadas as cotas iniciais de vacina para cada estado, mas apenas generalidades do plano nacional foram colocadas.
Entre secretários, houve incômodo. Quando foi divulgado o ofício da Saúde, o comentário no grupo foi o de que estava em curso uma tentativa de confisco político.
O Butantan quer saber quantas doses ficarão em São Paulo, uma vez que não faria sentido, em sua argumentação, enviar todo o lote para depois retornar parte para o estado.
Há no estado 6 milhões de vacinas prontas para uso emergencial e outras 4,5 milhões sendo processadas. A rigor, elas são da Saúde, mas há detalhes a considerar.
Primeiro, o contrato prevê um plano, que não existe. Segundo, o governo federal ainda não pagou por esse primeiro lote de 6 milhões de vacinas.
No ano passado, contrato com a Sinovac custou US$ 90 milhões (quase R$ 500 milhões) aos cofres paulistas, prevendo 46 milhões de doses e transferência tecnológica.
Em resposta ao Butantan, o Ministério da Saúde voltou a solicitar a entrega imediata das doses e disse que o governo de São Paulo não pode separar a quantidade que será destinada ao estado no plano nacional de imunização contra a Covid-19. Segundo a pasta, cabe a ela o plano de operacionalização.
“Não podemos delegar a distribuição das vacinas, sobretudo em razão do estado de excepcionalidade que o país atravessa em razão da pandemia”, apontou no documento.
A pasta afirmou ainda que as vacinas devem ser entregues no centro de distribuição do ministério em Guarulhos (Grande SP), como está previsto no contrato.
“Há a necessidade da imediata entrega [...] para que o cronograma de distribuição das doses não seja comprometido e não ocorra atraso no início da vacinação da população brasileira”, disse.
O impasse pode terminar na Justiça. Com sua resposta inicial, a área jurídica do governo estadual já se preparava para cenários em que poderá ser acionada no Supremo Tribunal Federal, que até aqui tem se posicionado contra Bolsonaro no manejo da pandemia.
Há ainda outro potencial obstáculo à autorização para o uso emergencial da vacina de Oxford/AstraZeneca: sua origem indiana.
Dos 18 itens de verificação geral que a Anvisa disponibiliza em seu site para verificar o status da aprovação dos imunizantes, 4 estão pendentes devido a problemas relativos à fabricação do produto na Índia.
São basicamente pontos em que os dados de pesquisa da chamada vacina de Oxford precisam ser comparados com a vacina do laboratório indiano. Há também a falta de indicação sobre as condições do transporte do lote para uso emergencial no Brasil.
Pessoas com conhecimento do processo afirmam que a Anvisa terá de fazer vista grossa para as questões, que não teriam como ser respondidas em prazos exíguos, se pretender aprovar de forma expedita o uso.
“Hoje está começando a vacinação na Índia. Resolveuse, não foi decisão nossa, atrasar um ou dois dias até que o povo comece a ser vacinado lá Jair Bolsonaro presidente da República