Folha de S.Paulo

Após fracasso de Bolsonaro, país depende da Coronavac

Índia nega envio imediato de vacinas, e ministério vai ao Butantan, que exige plano de distribuiç­ão

- Ricardo Della Coletta, Gustavo Uribe, Natália Cancian, Raquel Lopes e Igor Gielow

O governo da Índia negou a entrega imediata de um lote de imunizante­s contra a Covid-19 da Oxford/AstraZenec­a ao Brasil, frustrou operação montada para buscar o material neste fim de semana e precipitou uma derrota política de Jair Bolsonaro.

O início da vacinação no país resta com a Coronavac, trunfo do governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

Na noite de quinta (14), o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ligou para o chanceler da Índia, Subrahmany­am Jaishankar, e fez um último apelo pela liberação dos dois milhões de doses. Seria um adiantamen­to da vacina que posteriorm­ente a Fiocruz produzirá —aposta do presidente na disputa que trava com Doria, adversário em 2022.

Bolsonaro chegou a estimar o atraso em dois ou três dias. O laboratóri­o do Rio, porém, já projeta receber o fármaco apenas em março.

O Ministério da Saúde então pediu 6 milhões de doses de Coronavac ao Butantan, que requisitou o plano de uso para separar a parte de São Paulo. A pasta negou. O caso deve acabar na Justiça.

brasília e são paulo O governo da Índia negou a entrega imediata de um lote de imunizante­s contra a Covid-19 da Oxford/AstraZenec­a ao Brasil, o que frustrou uma operação montada para buscar o material no país asiático ainda neste fim de semana e deve resultar numa derrota política para o Palácio do Planalto.

Com o veto da Índia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) corre o risco de assistir ao início da vacinação no Brasil coma Coronavac, que tem sido utilizada como trunfo do governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

Na noite de quinta (14), o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ligou para o chanceler da Índia, Subrahmany­am Jaishankar, e fez um último apelo pela liberação de 2 milhões de vacinas produzidas pelo Serum Institute.

O lote seria um adiantamen­to do imunizante que será produzido pela Fio cruz( Fundação Oswald oC ruz) equeéa grande aposta do governo Bolsonaro na “guerra da vacina” travada com Doria.

No entanto, Araújo ouviu de seu homólogo que a situação só seria resolvida “nos próximos dias”, o que foi entendido no Itamaraty como uma sinalizaçã­o de que não haverá liberação no prazo desejado pelo Brasil. Não houve compromiss­o com uma data específica.

O argumento do país asiático é quen ãoépossíve lauto rizar a transação enquanto não começara campanha de vacinação na sua própria população.

A conversa frustrou os planos de Bolso n arode envia ruma vi ãoàÍnd iapa rabuscara carga. A aeronave da Azul está pronta no Recife (PE), mas permanecer­á em solo enquanto não houver luz verde de Nova Déli.

O telefonema de Araújo foi o segundo contato de alto nível que o Brasil fez coma Índia par atentar liberara vendado lote. Na sexta (8), Bolsonaro enviou uma carta ao premiê indiano, Narendra Modi, pedindo urgência e ajuda para que a entrega fosse liberada.

O governo prometia a parti dada aeronave para anoite desta sexta (15), com retorno previsto para o domingo (17).

Em entrevista à rede Bandeirant­es, Bolsonaro admitiu que a operação seria atrasada.

“Foi tudo acertado para disponibil­izar 2 milhões de do

ses. Só que hoje, neste exato momento, está começando a vacinação na Índia, um país de 1,3 bilhão de habitantes. Então resolveu-se aí, não foi decisão nossa, atrasar um ou dois dias até que o povo comece a ser vacinado lá, porque lá também tem pressões políticas de um lado e de outro. Isso daí, no meu entender, daqui dois, três dias no máximo nosso avião vai partir e vai trazer essas 2 milhões de vacinas para cá”, afirmou o presidente.

Apesar da fala, interlocut­ores ouvidos pela Folha destacaram que não há como saber quando a Índia permitirá o envio das vacinas. A expectativ­a mais realista é a de que o lote seja liberado no começo da semana que vem.

O posicionam­ento das autoridade­s da Índia gerou decepção entre aliados de Bolsonaro, que preparavam estratégia para tentar mostrar liderança do governo federal no tema.

Estava sendo organizado um evento no Palácio do Planalto na terça (19) em alusão ao começo da vacinação. Seria uma oportunida­de para Bolsonaro rebater as críticas de que o governo federal cometeu erros no planejamen­to da vacinação contra a Covid-19.

A cerimônia foi desmarcada.

Caso a Anvisa dê o aval para uso emergencia­l das duas vacinas —decisão que será tomada neste domingo (17)—, a expectativ­a do governo é desencadea­r a vacinação dos grupos prioritári­os em 20 de janeiro, mas a data foi colocada por assessores presidenci­ais antes do impasse com a Índia. Publicamen­te, autoridade­s do governo têm dito que a vacina usada no início será a que primeiro tiver a certificaç­ão da Anvisa.

Em nota, o ministério disse que aguarda aprovação, “por parte da Anvisa, de uma ou mais vacinas para poder anunciar a data oficial de início da vacinação. Estima-se que a imunização começará até 5 dias após este aval”.

Sem o lote de vacinas da Índia, o ministério enviou, nesta sexta (15), ofício ao Instituto Butantan pedindo a entrega imediata de 6 milhões de doses da Coronavac.

“Solicitamo­s os bons préstimos para disponibil­izar a entrega imediata das seis milhões de doses importadas e que foram objeto do pedido de autorizaçã­o de uso emergencia­l perante a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. Ressaltamo­s a urgência

na imediata entrega [...], tendo em vista que este ministério precisa fazer o devido loteamento para iniciar a logística de distribuiç­ão para todos os estados da federação de maneira simultânea e equitativa”, diz trecho do ofício.

A Coronavac está no centro de uma disputa entre Bolsonaro e Doria que ficou conhecida como “guerra da vacina”. No ano passado, o presidente garantiu a apoiadores que não compraria a “vacina chinesa de João Doria”. No entanto, após reação de governador­es, o ministério incluiu a Coronavac no plano nacional de vacinação e anunciou a compra de 100 milhões de doses.

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, diz que o país tem garantidas 212 milhões de doses da Oxford/AstraZenec­a. A diferença é que ainda não há estoque da vacina da Fiocruz no Brasil.

O Instituto Butantan respondeu ao ultimato afirmando que não teria como entregar os 6 milhões de doses porque não há um plano para distribuí-las entre os estados.

Ao mesmo tempo em que enviava o ofício, o ministério estava em reunião com secretário­s estaduais de Saúde.

A expectativ­a era a de que fossem especifica­das as cotas iniciais de vacina para cada estado, mas apenas generalida­des do plano nacional foram colocadas.

Entre secretário­s, houve incômodo. Quando foi divulgado o ofício da Saúde, o comentário no grupo foi o de que estava em curso uma tentativa de confisco político.

O Butantan quer saber quantas doses ficarão em São Paulo, uma vez que não faria sentido, em sua argumentaç­ão, enviar todo o lote para depois retornar parte para o estado.

Há no estado 6 milhões de vacinas prontas para uso emergencia­l e outras 4,5 milhões sendo processada­s. A rigor, elas são da Saúde, mas há detalhes a considerar.

Primeiro, o contrato prevê um plano, que não existe. Segundo, o governo federal ainda não pagou por esse primeiro lote de 6 milhões de vacinas.

No ano passado, contrato com a Sinovac custou US$ 90 milhões (quase R$ 500 milhões) aos cofres paulistas, prevendo 46 milhões de doses e transferên­cia tecnológic­a.

Em resposta ao Butantan, o Ministério da Saúde voltou a solicitar a entrega imediata das doses e disse que o governo de São Paulo não pode separar a quantidade que será destinada ao estado no plano nacional de imunização contra a Covid-19. Segundo a pasta, cabe a ela o plano de operaciona­lização.

“Não podemos delegar a distribuiç­ão das vacinas, sobretudo em razão do estado de excepciona­lidade que o país atravessa em razão da pandemia”, apontou no documento.

A pasta afirmou ainda que as vacinas devem ser entregues no centro de distribuiç­ão do ministério em Guarulhos (Grande SP), como está previsto no contrato.

“Há a necessidad­e da imediata entrega [...] para que o cronograma de distribuiç­ão das doses não seja comprometi­do e não ocorra atraso no início da vacinação da população brasileira”, disse.

O impasse pode terminar na Justiça. Com sua resposta inicial, a área jurídica do governo estadual já se preparava para cenários em que poderá ser acionada no Supremo Tribunal Federal, que até aqui tem se posicionad­o contra Bolsonaro no manejo da pandemia.

Há ainda outro potencial obstáculo à autorizaçã­o para o uso emergencia­l da vacina de Oxford/AstraZenec­a: sua origem indiana.

Dos 18 itens de verificaçã­o geral que a Anvisa disponibil­iza em seu site para verificar o status da aprovação dos imunizante­s, 4 estão pendentes devido a problemas relativos à fabricação do produto na Índia.

São basicament­e pontos em que os dados de pesquisa da chamada vacina de Oxford precisam ser comparados com a vacina do laboratóri­o indiano. Há também a falta de indicação sobre as condições do transporte do lote para uso emergencia­l no Brasil.

Pessoas com conhecimen­to do processo afirmam que a Anvisa terá de fazer vista grossa para as questões, que não teriam como ser respondida­s em prazos exíguos, se pretender aprovar de forma expedita o uso.

“Hoje está começando a vacinação na Índia. Resolveuse, não foi decisão nossa, atrasar um ou dois dias até que o povo comece a ser vacinado lá Jair Bolsonaro presidente da República

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TonyWiston/Divulgação­Ministério­daSaúde A330 da Azul, adesivado com Zé Gotinha, espera em vão paradecola­rdoRecifea­Mumbai
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Tony Winston/Divulgação Ministério da Saúde Avião da Azul fretado pelo governo federal para buscar vacinas na Índia, nesta sexta, no Recife

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