Folha de S.Paulo

Cidade foi 2ª capital que menos recebeu verba federal em 2020

Em 2020, cidade só recebeu mais verba que o Rio de Janeiro, que tem orçamento próprio mais robusto

- Thiago Resende

brasília Embora o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenha ressaltado dados do envio de recursos para Manaus no ano passado, a cidade foi a segunda capital que menos recebeu verba federal numa comparação de acordo com o número de habitantes.

O repasse per capita para Manaus só superou —por pouco— o do Rio de Janeiro (RJ), que tem um orçamento próprio mais robusto que o da capital amazonense.

Após o sistema de saúde de Manaus entrar em colapso, o governo Bolsonaro iniciou uma operação para se afastar da responsabi­lidade do caos na região.

Nesta sexta-feira (15), Bolsonaro publicou em sua conta no Twitter dados oficiais sobre os repasses do governo federal à capital amazonense. As informaçõe­s —do Portal da Transparên­cia, administra­do pela CGU (Controlado­ria-Geral da União)— foram divulgadas pelo presidente, sem emitir comentário sobre os números.

Bolsonaro mostrou que Manaus recebeu R$ 2,36 bilhões transferid­os do governo federal para o município, mais R$ 475 mil de gastos diretos na cidade com dinheiro federal.

Apoiadores do presidente usaram esses números para exaltar a atuação do Palácio do Planalto na pandemia.

Mas levantamen­to feito pela Folha usando a mesma fonte de dados de Bolsonaro revelou que a capital do Amazonas, que enfrenta um caos na saúde, recebeu bem menos que outras cidades, quando a quantia é comparada à população de cada região. Para esse ranking foi usada a população estimada pelo IBGE em todas as capitais.

Em Manaus foram R$ 1.063 por habitante, pouco a mais que no Rio de Janeiro (R$ 946 por morador), que ficou em último lugar no ranking.

Os números destoam do registrado em cidades no topo da lista, como Vitória (ES) e Palmas (TO), que receberam mais de R$ 4 mil por morador.

Procurado, o Palácio do Planalto não quis se manifestar. O Ministério da Economia também não comentou a distribuiç­ão dos recursos.

O levantamen­to comparando os recursos para capitais envolve dinheiro de transferên­cias constituci­onais (que não exigem condiciona­nte ao município para receber a verba), transferên­cias voluntária­s da União e do programa de socorro financeiro aos estados e municípios na pandemia (negociado entre o governo federal e o Congresso).

Em 2020, o governo Bolsonaro não teve amarras no Orçamento por causa da calamidade pública em função da crise da Covid-19. Por isso, o presidente teve mais recursos para aplicar, destinar a programas (como o auxílio emergencia­l) e repassar a estados e municípios.

O Planalto e o Ministério da Economia não respondera­m como funcionarã­o os repasses em 2021, com a volta das regras fiscais e restrições orçamentár­ias, diante do agravament­o da pandemia.

A capital do Amazonas vive no início deste ano um cenário de recorde de hospitaliz­ações por Covid-19 e falta de oxigênio nos hospitais. O insumo

Nós fizemos a nossa parte, diz Bolsonaro sobre crise no estado Ricardo Della Coletta

brasília Diante da crise de falta de oxigênio para pacientes de Covid-19 em Manaus, o presidente Jair Bolsonaro disse que “nós fizemos a nossa parte” e voltou a defender tratamento­s sem eficácia comprovada para o novo coronavíru­s.

“A gente está sempre fazendo o que tem que fazer. Problema em Manaus, terrível o problema lá. Agora nós fizemos a nossa parte, [com] recursos, meios”, afirmou o presidente, em conversa com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada. A fala foi transmitid­o por um site bolsonaris­ta.

Na conversa, Bolsonaro voltou a defender o tratamento precoce e o uso de hidroxiclo­roquina e ivermectin­a, método defendido há meses pelo presidente, mas que não tem eficácia comprovada por especialis­tas. Além do mais, a cloroquina está associada a efeitos colaterais como arritmia.

Cientistas afirmam que não existe tratamento precoce para Covid-19.

“Hoje as Forças Armadas deslocaram para lá [Manaus] um hospital de campanha. O ministro da Saúde [Eduardo Pazuello] esteve lá segunda [11], providenci­ou oxigênio, começou o tratamento precoce que alguns criticam ainda. Quem critica não toma, fique tranquilo, se tiver um problema de vírus vai se agravar pela idade. Agora vê o médico e ele vai receitar, pode receitar o tratamento precoce. Se o médico não quiser [receitar], procure outro medico, não tem problema”, declarou.

Na manhã desta sexta, o vice-presidente Hamilton Mourão também disse que o governo federal está fazendo “além do que pode” diante da crise em Manaus.

“O governo está fazendo além do que pode, dentro dos meios que a gente dispõe. Na Amazônia as coisas não são simples, você tem uma capital —como Manaus, a cidade mais populosa da Amazônia Ocidental— e você só chega lá de barco ou de avião”, declarou o vice.

Em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, no programa Brasil Urgente, da TV Bandeirant­es, na tarde desta sexta, Bolsonaro disse que Pazuello é um “tremendo de um administra­dor”, afirmou que duvida que alguém faria um trabalho melhor do que ele e ressaltou que não há motivos para uma troca na Saúde pasta.

“Ninguém faria melhor, com todo o respeito, do que o meu governo está fazendo”, disse Bolsonaro. “Pazuello está fazendo um trabalho excepciona­l. Não vai sair de lá. Não tem motivo de sair de lá.”

Na conversa, o presidente também minimizou os pedidos de impeachmen­t ingressado­s contra ele na Câmara. Ele afirmou que não existe “nada de concreto contra ele” e que não vão tirá-lo do cargo na “mão grande”.

“Não tem do que me acusar. Esses 40 ou 60 processos de impeachmen­t. Isso não vale nada”, disse. “Só Deus me tira daqui. Não existe nada de concreto contra mim. Agora, me tirar da mão grande, não vão me tirar”, acrescento­u.

Na entrevista, o presidente reconheceu que Manaus passa por uma situação crítica, com unidades hospitalar­es cheias. Ele disse, contudo, que não pode “fazer nada” em relação ao combate ao coronavíru­s, já que, segundo ele, o STF (Supremo Tribunal federal) definiu que as iniciativa­s cabem a estados e municípios.

“Eu não posso fazer nada no tocante ao coronavíru­s”, disse. “Eu fui impedido pelo Supremo de fazer qualquer ação de combate ao Covid. Pelo STF, eu tinha de estar na praia agora, tomando uma cerveja”, acrescento­u.

O presidente ressaltou que, apesar das restrições, o governo federal está em Manaus “para ajudar o seu povo” e que, “mesmo proibido pelo STF”, a atual gestão tem “levado alento” à população amazônica. Ele disse ainda que não irá intervir na Anvisa para agilizar a liberação das vacinas.

“Tem de passar pela Anvisa. Ela faz um trabalho de qualidade e eu tenho zero interferên­cia na Anvisa. As agências são autônomas, independen­tes e ninguém tem interferên­cia lá”, afirmou.

Bolsonaro também rebateu crítica feita pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que o chamou mais cedo de “fascínora”. Segundo o presidente, o tucano “não tem moral para falar de ninguém” e não deveria atrapalhar o governo federal.

“Ele [Doria] quer jogar a responsabi­lidade pra cima de mim? Será que ele tem coragem moral, porque homem ele não é, nós sabemos que esse pilantra aí não é homem, de criticar o Supremo, que falou que eu não posso interferir? “, questionou.

Mais tarde, em entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro disse que não tem por que ter “esse trauma todo” por causa da Covid e que a paralisaçã­o da atividade econômica e o isolamento social geram mais mortes do que a doença.

“Esse isolamento causa muito mais morte, por depressão, por suicídio, por falta de emprego lá na frente do que a própria pandemia em si. Eu não tenho aqui os dados, o número de mortes por tipo de doença. A Covid tá mais lá embaixo. Então não tem por que ter esse trauma toda apenas preocupado com a Covid”, disse.

 ?? Pedro Ladeira -13.jan.20/Folhapress ?? O presidente Jair Bolsonaro ao sair de um restaurant­e na Vila Planalto, em Brasília
Pedro Ladeira -13.jan.20/Folhapress O presidente Jair Bolsonaro ao sair de um restaurant­e na Vila Planalto, em Brasília

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil