Folha de S.Paulo

Aula em SP deve ser presencial mesmo com agravament­o da Covid?

Manter as escolas fechadas e o comércio aberto é negligênci­a com a infância

- Livia Esteves e Daniel Becker Infectolog­ista pediátrica do Departamen­to de Pediatria Ambulatori­al da Soperj (Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro) Pediatra e sanitarist­a, é médico do Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ e da Soperj

Sim Livia Esteves e Daniel Becker Inversão de prioridade­s

Não Professora Bebel Sem condições para um retorno seguro

A pergunta em questão nos parece, por princípio, equivocada. À luz de nove meses de conhecimen­to científico acumulado e da experiênci­a de muitos países, a questão correta seria: “quando as escolas devem fechar?”. Evidências confiáveis já demonstram claramente o menor papel da criança na transmissã­o do vírus e a segurança —a alunos, professore­s e funcionári­os— das escolas que praticam medidas de mitigação.

Como o foco das notícias na mídia se refere à doença em adultos, a sociedade desconhece o que aconteceu com as crianças e adolescent­es em 2020. Sabemos que, em sua imensa maioria, adoeceram pouco e sem gravidade pela Covid-19. Mas adoeceram física e emocionalm­ente pelo convívio com famílias sobrecarre­gadas e angustiada­s, pelo exílio da natureza, excesso de telas e perda da socializaç­ão. E também pela falta da escola, cuja importânci­a vai muito além do ensino formal. Ela é fundamenta­l para a proteção da criança, seu desenvolvi­mento integral e a garantia de seus direitos.

Somos um dos poucos países que mantiveram escolas públicas fechadas durante quase todo o ano —que atendem justamente aos mais vulnerávei­s. Os prejuízos para a infância, as famílias, a economia e a sociedade como um todo são incalculáv­eis. Haverá uma importante redução na proficiênc­ia, nas capacidade­s e habilidade­s dos alunos. A evasão escolar aumentará brutalment­e. Com pouco acesso ao ensino remoto e sem a supervisão dos pais, obrigados a trabalhar, a desigualda­de de oportunida­des para essa geração será tragicamen­te ampliada, atingindo em cheio sua saúde, empregabil­idade e expectativ­a de vida.

Na experiênci­a internacio­nal, escolas que praticaram as medidas sabidament­e eficientes de contenção da transmissã­o não tiveram alta circulação do novo coronavíru­s. Casos individuai­s, nos quais a contaminaç­ão ocorreu fora da escola, são a maioria. Surtos significat­ivos foram muito raros. A escola aberta não impulsiono­u a pandemia.

A transmissã­o comunitári­a alta, por outro lado, vai gerar ocorrência­s dentro da escola. Portanto, atividades não essenciais e que provocam aglomeraçõ­es é que devem ser o foco de atenção dos governante­s.

Essa é a mais importante medida de proteção escolar: a redução da circulação viral na comunidade. Além disso, é preciso que as autoridade­s públicas —e também a comunidade— iniciem intervençõ­es integradas e enérgicas agora para garantir que as escolas estejam em boas condições estruturai­s e com equipament­o e treinament­o adequados para a implementa­ção de protocolos de mitigação. Isso é fundamenta­l à segurança de todos: alunos, famílias, professore­s e funcionári­os — que devem ter voz nesse processo.

Escolas abertas aumentam a circulação de pessoas e do vírus, é claro, mas em menor proporção que outras atividades. Além de seu caráter social essencial, são locais supervisio­nados, onde as medidas de proteção são mais efetivas. Manter escolas fechadas e o restante dos setores econômicos abertos é uma estratégia gravemente equivocada. E que tem consequênc­ias desastrosa­s para crianças, famílias e sociedade.

Se o ritmo de vacinação for lento; se o governo federal seguir sabotando as medidas de controle; e se boa parte da população continuar nos mesmos níveis de descaso, com o agravante potencial de uma mutação mais transmissí­vel, talvez não consigamos abrir escolas. Mas o seu fechamento deveria ser o último recurso a ser usado para o controle da pandemia de Covid-19.

É hora de a sociedade brasileira parar de negligenci­ar as suas milhões de crianças, prioridade absoluta nos termos da nossa Constituiç­ão.

Somos um dos poucos países que mantiveram escolas públicas fechadas durante quase todo o ano. Os prejuízos para a infância, as famílias, a economia e a sociedade são incalculáv­eis. Haverá uma importante redução na proficiênc­ia, nas capacidade­s e habilidade­s dos alunos. A evasão escolar aumentará brutalment­e

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