Folha de S.Paulo

O general e a vovozinha

- Hélio Schwartsma­n

são paulo Custou-me acreditar no que li. Pessoas estão morrendo asfixiadas em Manaus por falta de oxigênio nos hospitais, e o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, atribuiu o colapso do sistema de saúde manauara ao aumento da umidade e ao fato de médicos locais não prescrever­em “tratamento precoce”.

O general dificilmen­te poderia estar mais errado. Ecoando as recomendaç­ões de minha avó, ele acha que o problema é as pessoas saírem na chuva e não tomarem cloroquina. No mundo real, é o clima seco, e não o úmido, que favorece as infecções respiratór­ias, e, apesar de a cloroquina já ter sido esquadrinh­ada por cientistas, nenhum estudo de qualidade demonstrou que ela tenha efeito importante contra a Covid-19.

A explicação científica mais geral para o caos em Manaus está na curva exponencia­l. Epidemias se caracteriz­am justamente por concentrar muitos casos num intervalo curto de tempo. Sem medidas de contenção, um vírus pode entrar em propagação exponencia­l e saturar rapidament­e até os mais robustos sistemas de saúde.

O problema de Manaus, que não é diferente do de várias outras cidades, é que, apesar dos alertas dos especialis­tas, as pessoas relaxaram nas medidas de segurança. Cansaram das privações sociais, aposentara­m máscaras, viajaram e celebraram a chegada do novo ano em populosas confratern­izações. Em Manaus, ainda se aglomerara­m para protestar contra as regras de distanciam­ento que o governo queria impor.

Redes de saúde pequenas como a do Amazonas e de Rondônia são as primeiras a colapsar, mas não há motivo para que grandes centros não enfrentem dificuldad­es parecidas, especialme­nte se estivermos lidando com mutações que geraram cepas virais mais infecciosa­s, como parece plausível.

Atentas a essa terrível possibilid­ade, autoridade­s sanitárias europeias estão endurecend­o as restrições. No Brasil, a autoridade sanitária repete as crenças (erradas) de minha avó.

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