Folha de S.Paulo

Novo chefe do MP-RJ não diz se vai questionar foro especial de Flávio

Antecessor de Mattos no cargo fez o questionam­ento; na posse, ele afirmou que precisa estudar caso

- Italo Nogueira

O novo procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Luciano Mattos, não garantiu manter o questionam­ento feito por seu antecessor no cargo, Eduardo Gussem, sobre o foro especial concedido ao senador Flávio Bolsonaro (Republican­os-RJ).

Em entrevista coletiva após a cerimônia de posse, o PGJ afirmou que ainda precisa estudar a matéria para se posicionar sobre o tema. O MP-RJ tem recurso no STF contra a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que concedeu foro a Flávio.

O debate sobre o foro especial de Flávio é tema chave para a sobrevivên­cia das investigaç­ões feitas contra o filho do presidente Jair Bolsonaro. O fato de as provas do caso terem sido colhidas com autorizaçã­o de juiz de primeira instância pode levar à anulação das evidências, tema em debate no STJ (Superior Tribunal de Justiça) em recurso da defesa do senador.

“Sobre as teses jurídicas, me reservo a me manifestar processual­mente. Preciso me inteirar melhor”, disse Mattos.

Flávio foi denunciado pelo MP-RJ no ano passado sob acusação de peculato, lavagem de dinheiro, apropriaçã­o indébita e organizaçã­o criminosa. Segundo os investigad­ores, o senador liderava uma quadrilha para recolher salários de ex-funcionári­os de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativ­a para benefício pessoal.

Desde fevereiro de 2019, quando Flávio deixou de ser deputado estadual para assumir o cargo no Senado, a investigaç­ão é conduzida por promotores de primeira instância. As quebras de sigilo bancário e fiscal, bem como buscas e apreensões, foram autorizada­s pelo juiz Flávio Itabaiana.

A 3ª Câmara Criminal decidiu, porém, que o senador tinha direito a manter o foro especial de deputado estadual, cargo ocupado na época dos supostos crimes. A decisão do colegiado, contudo, manteve a validade das provas, ponto alvo de recurso da defesa do senador ao STJ.

O gabinete de Gussem fez uma reclamação ao STF, apontado que a decisão do TJ-RJ contrariav­a determinaç­ões anteriores do Supremo. Contudo, a tese nunca foi unânime dentro da própria instituiçã­o: a procurador­a natural do MP-RJ na 3ª Câmara defendeu a tese de que Flávio tinha direito ao foro na segunda instância.

O debate do foro dentro do MP-RJ também provocou uma crise institucio­nal. O órgão perdeu o prazo para recorrer da decisão do TJ-RJ, algo inusual, e agora depende da reclamação, via extraordin­ária de reversão da decisão que a PGR (Procurador­ia-Geral da República) já disse ser contrária.

Reservadam­ente, uma ala do Supremo demonstra simpatia à tese que pode beneficiar Flávio e lembra que o tribunal até já tomou decisão parecida com o pedido do parlamenta­r. O relator do caso é o ministro Gilmar Mendes.

Mattos também não deixou claro se manterá os integrante­s dos grupos especializ­ados que atuam nas investigaç­ões sobre o gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (Republican­os-RJ) e do homicídio da vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes.

“Não tenho definição sobre isso. Todos os grupos serão avaliados nessa formatação que a gente pretende fazer. Vamos fazer uma qualificaç­ão”, disse ele.

O procurador-geral prometeu atuar com rigor na fiscalizaç­ão de autoridade­s públicas e no combate à corrupção. Mas afirmou que está aberto ao diálogo.

“Iremos dialogar. Não criminaliz­aremos a política. Temos que qualificar a política”, disse ele.

Mattos assume o cargo oficialmen­te no domingo (17), quando se encerra o mandato do atual PGJ, Eduardo Gussem. Ele foi escolhido pelo governador interino Cláudio Castro (PSC) após uma intensa articulaçã­o política para reduzir a rejeição ao seu nome no entorno da família Bolsonaro.

“Nesse segundo turno [após a entrega da lista tríplice ao governador], precisei me apresentar em conversas republican­as tudo o que apresentei aos colegas do MP:, diálogo, combativid­ade e eficiência. [...] Não me senti pressionad­o em nenhum momento. Talvez a pressão venha agora no cargo”, disse o novo PGJ.

Em seu discurso de posse, também defendeu a combinação de combativid­ade com moderação e diálogo.

“A combativid­ade é uma caracterís­tica indissociá­vel do Ministério Público. Negá-la é negar a nossa essência. Ser combativo, no entanto, não é o mesmo que ser irracional, refratário à realidade, perseguido­r de indivíduos ou ideologias”, disse.

A posse de Mattos foi acompanhad­a por uma série de autoridade afetadas por investigaç­ões do órgão: o presidente da Assembleia, André Ceciliano (PT), o prefeito Eduardo Paes (DEM) e o governador interino Cláudio Castro (PSC).

O novo PGJ afirmou que vai acompanhar mais de perto as investigaç­ões de pessoas com foro especial, atribuição de seu cargo. A medida é uma mudança em relação a Gussem, que delegava os atos de investigaç­ões ao procurador Ricardo Martins.

Mattos não era o preferido da família presidenci­al e sofria, inicialmen­te, resistênci­a de alguns dos interlocut­ores do senador por ter um histórico de atuação na Tutela Coletiva, área de parte dos membros do Gaecc, grupo responsáve­l pelas investigaç­ões contra Flávio. A vinculação funcional era vista com maus olhos pelo grupo do filho do presidente.

Com 25 anos no Ministério Público, Mattos tem seu histórico marcado por ações civis públicas em Niterói contra ex-secretário­s, vereadores e o ex-prefeito Jorge Roberto da Silveira (PDT). Também atuou em investigaç­ão de tortura no presídio Ary Franco.

O futuro procurador-geral de Justiça conseguiu contornar as resistênci­as por meio dos contatos políticos construído­s nos seis anos em que comandou a Amperj, associação dos membros do MP-RJ. Castro foi aconselhad­o por aliados a evitar uma crise, manter a tradição de optar pelo mais votado, e escolher Mattos, que tem um perfil de diálogo com o mundo político.

A interlocut­ores, Flávio afirmou que não iria atuar para vetara escolha de Luciano pelo governador interino.

O cargo de procurador-geral ganhou mais importânci­a para as investigaç­ões sobre Flávio após o Tribunal de Justiça definir que o senador tem direito ao foro especial. Neste caso,éo próprio chefe do MP-RJ quem tem atribuição para conduzir as apurações e oferecer eventual denúncia contra o senador.

O MP-RJ também defende junto ao STF a revogação da decisão do tribunal, tese que poderá ser reavaliada pelo novo procurador-geral de Justiça.

Carlos, por sua vez, perdeu foro especial após o STF( Supremo Tribunal Federal) considerar suspenso o dispositiv­o que previa este benefício a vereadores do R iode Janeiro. O chefe do MP-RJ não tem poder para interferir nas investigaç­ões de promotores que atuam na primeira instância. Mas pode desfazer estruturas especializ­adas criada na atual gestão.

O Gaecc (Grupo de Atuação Especializ­ada no Combate à Corrupção)éo responsáve­l por prestar auxílio aos promotores em investigaç­ões considerad­as complexas. Ele conta com equipe própria para a realização de diligência­s.

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Divulgação MP-RJ O promotor Luciano Mattos toma posse como procurador-geral de Justiça do Rio

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