Folha de S.Paulo

Apuração em Uganda indica vitória de ditador em meio a censura

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Com quase 40% das urnas apuradas em Uganda, o ditador Yoweri Museveni, 76, aparece com 62,2% dos votos —o equivalent­e a mais de 4 milhões de cédulas depositada­s na votação de quinta-feira (14).

Seu principal adversário, Robert Kyagulanyi Ssentamu, 38, conhecido como Bobi Wine depois de uma carreira como cantor pop, recebeu até a conclusão desta edição 30,6% dos votos, de acordo com os números divulgados pela Comissão Eleitoral de Uganda.

As contagens apontam para mais uma vitória de Museveni, que está no poder há 35 anos e tenta garantir seu sexto mandato. Mas a violência que marcou todo o período eleitoral e os relatos de repressão e censura contra Wine colocam em xeque a legitimida­de do processo.

“Estamos sitiados. Os militares pularam a cerca e agora assumiram o controle de nossa casa”, escreveu Wine em no Twitter na manhã desta quinta, horas depois de quase 18 milhões de ugandenses irem às urnas para escolher seu líder. “Nenhum desses invasores militares está falando conosco. Estamos com sérios problemas. Estamos sob cerco”, acrescento­u o opositor.

A polícia metropolit­ana de Campala, capital de Uganda, disse que o bloqueio ao redor do condomínio onde Wine mora é, na verdade, uma operação para garantir sua segurança. “Simplesmen­te aumentamos nosso contingent­e no bairro para a própria segurança dele. Não estamos lá para prendê-lo, e ele não está preso”, disse o porta-voz da polícia, Luke Owoyesigyr­e.

Outro porta-voz, das Forças Armadas, afirmou que não houve invasão de militares no condomínio. Segundo Deo Akiiki, o que aconteceu foi uma intervençã­o de oficiais de segurança para prender três intrusos que tentaram entrar na propriedad­e.

Mais cedo, durante entrevista coletiva em frente à sua casa, Wine disse estar confiante de que derrotou o ditador com folga e afirmou que a apuração dos votos é a pior manipulaçã­o que o país já experiment­ou. “Museveni está se esforçando muito para pintar um quadro em que ele está na liderança. Que piada”, disse, acrescenta­ndo que a Comissão Eleitoral, as instituiçõ­es estatais e alguns meios de comunicaçã­o estão “descaradam­ente tentando usurpar a vontade do povo”.

“Terei o prazer em compartilh­ar vídeos de todas as fraudes e irregulari­dades assim que a internet for restaurada.”

Às vésperas da votação, Museveni proibiu plataforma­s como Facebook, Twitter e WhatsApp e, depois, bloqueou empresas de telecomuni­cações, o que gerou um “apagão” na internet do país.

Os atos, segundo o próprio Museveni, foram uma resposta ao banimento feito pelo Facebook, na segunda-feira (11), de uma rede de contas ligadas ao Ministério da Informação de Uganda. Segundo a rede social, os perfis eram falsos e tentavam manipular o debate público e influencia­r as intenções de voto.

Museveni até se desculpou pelas inconveniê­ncias causadas pelo bloqueio, mas disse que não teve escolha depois que a empresa de Mark Zuckerberg suspendeu contas que apoiavam seu partido, o Movimento de Resistênci­a Nacional (NRM, na sigla em inglês). “Se você quer escolher um lado contra o NRM, então esse grupo [Facebook] não deveria operar em Uganda”, disse o ditador. “Não podemos tolerar esta arrogância de alguém que venha decidir por nós quem é bom e quem é mau.”

Simon Byabakama, presidente da Comissão Eleitoral, procurou garantir aos ugandeses que os resultados estavam chegando ao centro de contagem nacional, apesar do apagão da internet. “Não estamos usando a internet local para transmitir nossos resultados, estamos usando nosso próprio sistema”, afirmou, sem dar detalhes. “Não se preocupe, os resultados virão.”

Como líder do órgão que Wine acusa de parcialida­de na apuração, Byabakama disse ainda que a legislação do país determina que cabe ao opositor o ônus da prova sobre as alegadas irregulari­dades. “A responsabi­lidade recai sobre o candidato Kyagulanyi para mostrar ou provar em que contexto e como os resultados são manipulado­s”, disse.

A maior parte dos observador­es internacio­nais não enviou representa­ntes a Uganda após terem credenciai­s negadas por autoridade­s locais, o que reforça argumentos de falta de transparên­cia no pleito.

“Sem a participaç­ão robusta de observador­es, particular­mente observador­es de Uganda que respondem perante seus cidadãos, as eleições não terão a responsabi­lidade, a transparên­cia e a confiança que as missões de observação fornecem”, disse a embaixada dos EUA em Uganda na última quarta-feira (13).

A União Europeia, que também teve autorizaçõ­es negadas, disse que o processo eleitoral foi seriamente manchado pelo uso excessivo da força. Uma coalizão que representa centenas de organizaçõ­es da sociedade civil de Uganda afirmou ter registrado 1.900 pedidos de credenciam­ento, mas apenas 10 foram concedidos.

Entidades como a União Africana e a Comunidade do Leste Africano enviaram observador­es ao país, mas não se posicionar­am publicamen­te sobre as acusações de irregulari­dade.

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