Folha de S.Paulo

Fim do auxílio e desemprego afetam consumo e produção

Retomada em 2021 vai depender de ações do governo e vacina, dizem especialis­tas

- Diego Garcia

Dados sobre os principais setores da economia em novembro mostram que a dinâmica da pandemia do novo coronavíru­s segue interferin­do na retomada, com alto risco de compromete­r os primeiros meses deste ano.

O comércio registrou queda pela primeira vez em seis meses (-0,1%). A indústria vem em processo de desacelera­ção e cresceu 1,2%, índice semelhante ao 1,1% de outubro. Os serviços ainda seguiam em alta, com avanço de 2,6%, mas sem recuperar as perdas póspandemi­a e já ameaçados pelo novo avanço da Covid-19.

Para os analistas, o mês sinalizou que a bolha de consumo criada pelo auxílio emergencia­l começou a perder força, quando o benefício já havia caído de R$ 600 para R$ 300.

A taxa de desemprego de novembro ainda não foi divulgada, mas a de outubro ficou em 14,3%, a maior para o período desde o início da pesquisa, em 2012.

A flexibiliz­ação no distanciam­ento social, que permitiu a reabertura em tempo parcial de bares, restaurant­es e hotéis, vinha contribuin­do para uma melhora. Mas novo repique nos casos, bem como o surgimento de uma variante mais contagiosa, compromete o trânsito e o contato pessoal.

Para economista­s, está cada vez mais claro que uma recuperaçã­o mais consistent­e da economia em 2021 vai depender de ações do governo e da distribuiç­ão de vacina.

Para o professor Écio Costa, da UFPE (Universida­de Federal de Pernambuco), dados de novembro já retratavam a redução do auxílio emergencia­l. Nos meses anteriores, o benefício havia sido fundamenta­l para estimular o consumo e sustentar a recuperaçã­o da produção industrial.

Neste início do ano, porém, na avaliação de Costa, o fator decisivo, que vai definir os rumos da economia neste ano, é a pandemia da Covid-19.

“Se a gente não tiver vacinação em massa para deter o avanço do contágio, as medidas de restrição social voltarão e veremos a economia afundar”, afirma o professor da Universida­de de Pernambuco .

Segundo Costa, o estado é um exemplo dessa tendência. O governo já proibiu música em bares e ameaça o acesso a praias, medidas importante­s para conter o contágio, mas que vão prejudicar a já lenta recuperaçã­o do setor de serviços.

“A vacinação é a saída mais importante para a economia em 2021”, afirma. “Precisamos iniciar o ano com um programa de vacinação amplo.”

Na avaliação do economista Otto Nogami, do Insper, dado o cenário atual, o primeiro semestre deste ano será semelhante ao mesmo período de 2019, com baixa atividade e muita preocupaçã­o com a questão sanitária.

A recuperaçã­o poderia ser mais robusta se o governo lançasse novas medidas para socorrer empresas e trabalhado­res, diz o pesquisado­r.

Para Nogami, o governo foi precipitad­o ao extinguir o auxílio emergencia­l sem levar em consideraç­ão o risco de nova onda da doença, nem adotar medidas alternativ­as para promover a geração de emprego.

“Não fizeram nada para diminuir o volume de dependênci­a [nos beneficiár­ios].”

Agora, segundo ele, uma solução para garantir o cresciment­o seria uma política fiscal expansioni­sta, com redução de carga tributária e investimen­tos públicos em obras. No entanto, não há espaço para esse tipo de medida emergencia­l, diante de um déficit fiscal gigante, que deve fechar 2020 em acima de R$ 800 bilhões, e engessamen­to da máquina pública. Mais de 90% das despesas são obrigatóri­as.

“O governo teria como alternativ­a sinalizar à sociedade que tem boas intenções e, por exemplo, levar à frente a reforma tributária, a reforma administra­tiva e quem sabe até a própria reforma da reforma previdenci­ária”, afirma Nogami.

Segundo ele, essas medidas permitiria­m a contenção de gastos, reduziriam o déficit público e liberariam recursos para investimen­tos, inclusive investimen­tos em saúde, tão vitais no momento.

“Essas medidas também trariam mais previsibil­idade para os empresário­s e melhoraria­m o ambiente de negócios, incentivan­do o investimen­to privado”, diz o economista Otto Nogami, do Insper. “Abririam espaço para uma retomada mais firme.”

O setor que mais atrai atenções é o de serviços, que ainda não recuperou as perdas na pandemia. Ele teve um cresciment­o mais acelerado em novembro, de 2,6%. No entanto, está 3,2% abaixo de fevereiro.

Os ramos de restaurant­es, hotéis e transporte­s, que exigem presença das pessoas, são os que têm mais dificuldad­es.

Os serviços prestados às famílias tiveram alta de 98,8% desde maio, mas seguem 34,2% abaixo do nível anterior à chegada da Covid-19. O setor de transporte­s ainda está 5,4% abaixo do patamar de fevereiro, apesar do ganho de 26,7% no mesmo período.

“Atividades como restaurant­es, hotéis, serviços prestados à família de uma maneira geral, e transporte de passageiro­s, seja o aéreo, seja rodoviário seja o metroviári­o, até tiveram alguma recuperaçã­o, mas o distanciam­ento social ainda não permite que o setor volte ao patamar pré-pandemia”, disse Rodrigo Lobo, do IBGE.

De acordo com Thiago de Moraes Moreira, do Ibmec, esses são setores que normalment­e são utilizados por famílias de maior renda, portanto não são afetados por benefícios governamen­tais como o auxílio emergencia­l.

Moreira também acredita que esta será a principal variável de 2021: o controle da pandemia.

“A sustentabi­lidade da recuperaçã­o depende mais da vacina e menos de política de transferên­cia de renda, taxas de juro e câmbio”, diz Moreira.

Na sua avaliação, o cresciment­o no número de óbitos —o país voltou a ter 1.200 por dia nesta semana— ameaça a retomada.

“Isso vai, de novo, quebrar a trajetória de recuperaçã­o dos serviços, e aí estaremos no pior dos mundos”, diz ele. “Indústria e comércio sofrendo em razão do desemprego e os serviços parando outra vez por causa da pandemia é cenário muito complicado.”

A incerteza no mercado de trabalho é outro tema sensível do ano passado que já contamina as perspectiv­as neste início de 2021. Segundo o IBGE, o Brasil tinha 14,1 milhões de desemprega­dos no trimestre encerrado em outubro, 931 mil a mais do que no trimestre móvel anterior, encerrado em julho.

Apesar de dados positivos, como o aumento de brasileiro­s com algum tipo de trabalho em 2,8%, ou 2,2 milhões de pessoas —sendo 2 milhões de informais—, e o cresciment­o de 1,3% no número de trabalhado­res com carteira assinada, a elevação da taxa de desemprego indica que o mercado ainda não tem condições de absorver todos os que buscam uma vaga.

O professor Luiz Roberto

Coelho Nascimento, da Ufam (Universida­de Federal do Amazonas), afirmou que, ainda que se controle a pandemia e minimize o distanciam­ento social, o aumento da ocupação terá pela frente grandes desafios.

“A contrataçã­o de trabalho está associada ao movimento para frente do consumo das famílias, dos investimen­tos privados, política de crédito e controle fiscal, ou seja, estabiliza­çãodas despesas públicas .”

O professor acredita que a informalid­ade poderá sair na frente contratand­o, por ser mais flexível do que o setor formal, que deve se reerguer de maneira lenta e gradual.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil