Folha de S.Paulo

Vandalismo constituci­onal

Proteger a integridad­e das eleições será o maior desafio dos que prezam pela democracia

- Oscar Vilhena Vieira Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universida­de Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP; autor de “A Batalha dos Poderes”

Eleições livres e justas e a alternânci­a no poder são elementos fundamenta­is à vida democrátic­a. A maioria dos governante­s populistas, no entanto, resiste a deixar o poder após uma derrota eleitoral ou mesmo ao término de seus mandatos, como nos alerta Yascha Mounk, autor de “O Povo contra a Democracia”.

Na medida em que o líder populista se define como único e autêntico representa­nte da vontade popular, um eventual resultado desfavoráv­el nas urnas sempre poderá ser atribuindo a falhas no processo eleitoral. Trata-se, portanto, de uma estratégia preventiva de populistas autoritári­os para buscar se manter indefinida­mente no poder.

Ao longo de quatro anos na Casa Branca, Trump fez o que pôde para fragilizar e capturar as instituiçõ­es da democracia constituci­onal. Empregou as mídias sociais para promover a mentira e a polarizaçã­o política. Combateu a imprensa livre, fomentou o nacionalis­mo, as milícias armadas e as mais diversas formas de discrimina­ção contra grupos vulnerávei­s.

Como outros populistas, desprezou as ameaças da pandemia, promoveu aglomeraçõ­es, combateu a ciência e o uso da máscara, contribuin­do, assim, para a morte de quase 400 mil compatriot­as. Tudo isso sob olhar cúmplice de grande parte dos republican­os, de empresas de tecnologia e de outros setores potentes da economia que agora, constrangi­dos, dele buscam se afastar.

A credibilid­ade do processo eleitoral nunca saiu da mira da máquina de mentiras de Trump. Na eminência da proclamaçã­o da vitória de Joe Biden, não foi difícil incitar seus seguidores mais radicais a empunhar as insígnias da extrema direita norteameri­cana e marchar sobre o Capitólio e a Constituiç­ão.

Ao longo das últimas duas décadas, o Brasil construiu um sistema de votação eletrônico que tem se demonstrad­o não apenas íntegro, mas extremamen­te eficiente. As deficiênci­as de nosso sistema eleitoral, como desinforma­ção,

“candidatur­as laranja”, financiame­nto ilegal e mesmo a violência, não dizem respeito, em absoluto, ao processo de votação eletrônico.

Jamais se comprovou, desde a implantaçã­o da urna eletrônica, qualquer falha relevante que impactasse o resultado de uma eleição. Exigir o voto impresso é uma tentativa de retroagir ao voto de cabresto, em que o eleitor terá que comprovar em quem votou ao miliciano de plantão, além de favorecer uma intermináv­el judicializ­ação do resultado das eleições.

Por não operarem em rede, nossas urnas eletrônica­s têm evitado a ação de hackers. Cada urna é auditada antes da votação, para que se certifique que não recebeu nenhum voto antecipada­mente. Ao término da votação a urna emite um boletim, impresso, com o número de votos de cada candidato. Partidos, fiscais, OAB e o Ministério Público têm amplo acesso a todo um processo supervisio­nado pela Justiça Eleitoral. O TSE também convida observador­es internacio­nais, como a Missão de Observação Eleitoral da OEA, para acompanhar nossas eleições.

A invasão do Capitólio nos ensina que a persistent­e tentativa de deslegitim­ar o sistema de escolha eleitoral por populistas não pode, em hipótese alguma, ser negligenci­ada. Seu único objetivo é fomentar a subversão democrátic­a.

O maior desafio daqueles que prezam pela democracia no Brasil, não importa em que posição do arco ideológico se encontrem, é construir um amplo pacto de proteção à integridad­e das eleições de 2022, para que não corramos o risco de submergir num vertiginos­o processo de vandalizaç­ão de nossa democracia constituci­onal. | dom. Antonio Prata | seg. Tabata Amaral, Thiago Amparo | ter. Vera Iaconelli | qua. Ilona Szabó de Carvalho, Jairo Marques | qui. Sérgio Rodrigues | sex. Tati Bernardi | sáb. Oscar Vilhena Vieira, Luís Francisco Carvalho Filho

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil